sábado, 15 de março de 2008

O pré-sal e o enigmático futuro brasileiro




























Carlos Lessa

Professor-titular de economia brasileira da UFRJ, e ex-presidente do BNDES


Jornal Valoe Econômico - 12 de março de 2008



www.valoronline.com.br

Toda profissão tem cacoetes lingüísticos. O geólogo brasileiro denomina os campos submarinos de petróleo existentes abaixo de um enorme e espesso lençol de sal de pré-sal. O geólogo ordena o mundo de baixo para cima. O sal dificulta e encarece a extração, porém preserva um óleo leve e de ótima qualidade.

Fortes evidências levam a crer que há 130 milhões de anos começou o desquite entre África e América do Sul. No meio, surgiu um lago que, crescendo, dá origem ao Atlântico Sul. O material orgânico foi sepultado debaixo do sal; posteriormente, outros elementos se depositaram. A combinação de temperatura e pressão converteu a matéria orgânica em petróleo. Movimentos tectônicos deslocaram o sal; parte do petróleo migrou para cima das "janelas" de sal. A Petrobras localizou campos submarinos nestas janelas: Namorado, Marlin, Roncador e toda uma peixaria permitiram a auto-suficiência deste combustível.






O mapa ao início mostra uma visao de alguns desses campos :




O óleo dessas jazidas não é o melhor - é pesado - porém é nosso; está em nossa fronteira marítima, pertence à Petrobras, e o Brasil é líder em tecnologia e ambições em águas profundas.

A Petrobras foi em frente. Perfurou ao longo do mar, desde Espírito Santo até a Bacia de Santos, em busca do pré-sal. Tudo leva a crer que existam campos no mar em uma área de até 800 quilômetros de extensão por 200 quilômetros de largura. As estimativas oscilam entre 30 e 50 bilhões de barris no pré-sal - não é um delírio nacional, esta é a avaliação do Credit Suisse. Hoje temos 14 bilhões de barris provados. Com Tupi, Carioca, Júpiter e seus "compadres", chegaríamos às reservas atuais da Rússia e da Venezuela.

O óleo do pré-sal é leve. O Brasil pode confiar nos geólogos, cientistas, engenheiros e tecnólogos que desenvolveremos a tecnologia para estes campos muito profundos e com espessas camadas de sal. Ao Eldorado Verde da Amazônia, descobrimos um Azul, no pré-sal; um novo Eldorado pelo brasileiro e para o brasileiro. Este é o sonho. Pode-se converter em um pesadelo.

Os EUA consomem 25% do petróleo do mundo. O grande poluidor bebe, todos os anos, sete bilhões de barris. Tem reservas pequenas, apenas para quatro anos. Por isto, tem tropas na Arábia Saudita (260 bilhões de barris de reservas), e frotas navais no Oceano Índico; estimulou o conflito latente entre sunitas e xiitas, promoveu Saddam Hussein e deu fôlego a Bin Laden.


Com o primeiro, alimentou o ódio ao Irã (100 bilhões de barris); com o segundo, sustentou a rebelião dos afegãos contra a URSS. Após o 11 de setembro, destruiu os talibãs e, desde então, acusou o Iraque (100 bilhões de barris) de dispor de armas nucleares. Destruído Saddam, não se
descobriu nenhum armamento não convencional. Transferiu, imediatamente, para o Irã a acusação de estar se nuclearizando. Os EUA mergulharam de ponta-cabeça no Oriente Médio, pois têm sede de petróleo - aliás, a China e a Índia também.

Meirelles, com o desejado fundo soberano, poderia converter o BC em "acionista", recomprando as ações que governos liberalizantes venderam para estrangeiros.

Até o pré-sal brasileiro, o Novo Mundo não poderia saciar os EUA; o México já foi depredado (tinha 52 bilhões de reservas e hoje está com 17). O Canadá tem muita areia betuminosa (custos extremamente elevados de extração). A Venezuela tem reservas insuficientes para a sede norte-americana. Alguns países ficaram sem petróleo: a Indonésia exportou, participou da Opep e vendeu seu óleo a US$ 3 o barril, hoje importa a US$100 o barril. O Reino Unido não é mais exportador de petróleo no Mar do Norte; bebeu e vendeu demais. Este é o pano de fundo de um possível pesadelo geopolítico. Não interessa ao Brasil que o Atlântico Sul se converta num Oriente Médio.

A primeira pergunta que ocorre é: o petróleo do pré-sal é nosso? Logo depois: até quando? O neoliberalismo já promoveu nove rodadas de leilões.

A ANP - instituição que no passado seria denominada de "entreguista" - pretendeu acelerar uma nova rodada nos blocos do pré-sal. Com clarividência, o presidente Lula suspendeu a rodada e solicitou à ministra Chefe da Casa Civil que estudasse uma nova legislação de regulamentação da economia do petróleo. Creio que Lula anteviu um possível "Iraque" em nosso território. O presidente sabe que a Petrobras pode, técnica e financeiramente, desenvolver Tupi e outros campos do pré-sal. Sabe que não se brinca com soberania na "Amazônia azul". Nossa Marinha de Guerra precisa do submarino nuclear; nossa Aeronáutica precisa de mísseis e da Base de Alcântara, porém quem garante que não seremos acusados de belicismo?

Conheço a ministra Dilma desde os tempos da Unicamp. Sei que é nacionalista e bem preparada; ela sabe que o preço do barril irá subir tendencialmente. É uma boa "aplicação financeira" manter petróleo conhecido e cubado como uma reserva estratégica; rende mais que os Títulos de Dívida Pública norte-americanos. Um fundo soberano, alimentado com uma parcela das reservas cambiais de nosso Banco Central, poderia subscrever ações e financiar a Petrobras. É mais estratégica esta "aplicação" do que apoiar o Tesouro dos EUA. Dilma sabe que a China fura poços e os mantém lacrados, preferindo beber petróleo importado em troca de suas exportações. Certamente, a regulamentação não será elevar royalties e contribuições especiais sobre o petróleo extraído do pré-sal por companhias estrangeiras.

A premissa maior é reassumir a Petrobras como empresa estratégica para o futuro desenvolvimento brasileiro e escudo protetor de uma geopolítica potencialmente ameaçadora. Para tal, é necessário retirar da companhia sua medíocre missão atual: "honrar seus acionistas". Aliás, o Dr. Meirelles, com o desejado fundo soberano, poderia converter o Banco Central em "acionista", recomprando as ações que os governos liberalizantes venderam para estrangeiros.

A diretoria da Petrobras, em vez de saber a cotação da ação em Wall Street, deveria estar articulada com o presidente da República, expondo ao Brasil o modo de manter o Eldorado em nossas mãos.

Temores da "doença holandesa"

Jornal Valor Econômico
Claudia Safatle - diretora adjunta de Redação - 14/03/2008
http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/primeirocaderno/brasil/+Temores+da++doenca+holandesa,,,63,4829971.html
14/03/2008


A decisão política que orientou as medidas cambiais anunciadas pelo ministro da Fazenda, e norteou as linhas da política industrial que o ministro Miguel Jorge, do Desenvolvimento, deve apresentar na próxima semana ao presidente Lula, foi tomada na primeira semana de março: o governo fará o que for necessário para impedir um eventual processo de desindustrialização do país.
Os indicadores de forte crescimento das importações de bens manufaturados nos primeiros dois meses deste ano anteciparam a reação do governo. Enquanto as exportações de produtos industrializados cresceram 17% entre janeiro e fevereiro contra o mesmo período do ano passado, as importações de bens de capital aumentaram 57% e as de matérias-primas e intermediários, 53%. Em 2006, o país registrou superávit de US$ 5,9 bilhões na pauta de industrializados. No ano passado, teve um déficit de US$ 7,8 bilhões. É fato que as indústrias estão importando mais para se modernizarem e, também, vendendo mais para o mercado doméstico, em franca expansão. Mas o ministro da Fazenda não acha que isso seja uma compensação. "As empresas devem ter um olho no mercado interno e outro no mercado externo para serem mais eficientes."
Essa virada numa parcela importante da pauta comercial do país assustou o governo, que viu aí o risco de estar se instalando no Brasil algo semelhante à "doença holandesa", provocada por um aumento nos preços das commodities e, portanto, nas receitas de exportação, que valorizam a moeda local e tornam pouco competitivos os demais bens destinados ao mercado externo. Na Holanda, foi a escalada dos preços do gás, na década de 80, que elevou substancialmente as receitas de exportação, valorizou o florim (a moeda de então), e derrubou as exportações dos demais produtos, que perderam competitividade. Lula foi claro com o ministro da Fazenda, na semana passada: "É preciso fazer algo com esse dólar que não pára de cair", relata um assessor do presidente.
A Fazenda, já na reunião de 07/03 com o presidente Lula, na presença de dois economistas de fora do governo, Luiz Gonzaga Belluzzo e o ex-ministro Delfim Netto, elencou o que vinha preparando, as três medidas anunciadas em 06/03: IOF de 1,5% sobre os investidores estrangeiros em renda fixa, isenção do IOF sobre exportações e fim da cobertura cambial das exportações.

Mantega descarta especialização da economia

Em conversa com o Valor, Guido Mantega disse que nessa nova fase da economia brasileira, de maior intensidade e qualidade de crescimento, o governo Lula fez , na semana passada, uma opção estratégica de cuidar da balança comercial e, portanto, do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos, atribuindo menor importância à conta de capitais. O déficit em conta corrente este ano, após cinco anos de superávits, deverá superar a marca que o mercado está projetando, de algo em torno de US$ 8 bilhões, e será muito superior aos US$ 3,5 bilhões que ainda constam das estimativas do Banco Central. Isso porque o superávit da balança comercial será menor do que os US$ 30 bilhões projetados pelo BC, podendo ficar mais próximo de US$ 20 bilhões.
Os indicadores acenderam a luz amarela e o governo resolveu intervir. " Não é bom, sob meu ponto de vista, ter déficits em conta corrente, a não ser de forma muito transitória", comentou o ministro. Assim, a política industrial, que deverá ser anunciada brevemente, segundo o ministro Miguel Jorge, vai beneficiar com desonerações de impostos, depreciação acelerada de bens de capital e financiamentos, 25 setores da indústria.
Mantega contou que o governo estava disposto, no ano passado, antes de perder a CPMF, a destinar cerca de R$ 10 bilhões para a desoneração de três pontos percentuais na folha de salários das empresas, que seria uma medida para todos os setores da economia. Agora, com a aprovação do Orçamento da União para este ano e a espetacular performance das receitas fiscais, ele vai ver de quanto disporá para reduzir os impostos para esses setores da indústria.
"Como a nossa opção é pelo modelo asiático, teremos uma política agressiva e diversificada de exportações, vamos partir para acordos bilaterais, já que a Rodada Doha está balançando, e vamos trabalhar na redução dos custos tributários, de financiamento e de infra-estrutura", disse Mantega.
Miguel Jorge, que se refere à nova política como um Plano d Desenvolvimento Produtivo, informou que este programa trará incentivos às exportações de curto, médio e longo prazos, que o governo pretende elevar a taxa de investimento na economia para 21% do PIB até 2010, e que os investimentos em inovação tecnológica devem subir para 0,7% do PIB no mesmo período, o que significa R$ 18 bilhões (em 2005, esses investimentos totalizaram 0,54% do PIB, ou R$ 12,5 bilhões).
Ter ou não uma política industrial para privilegiar determinados setores, previamente escolhidos pelo governo, é um tema que divide os economistas. Dar incentivos fiscais ou creditícios para alguns causa arrepios nos que acreditam que o mercado é mais capaz do que o Estado de fazer alocações eficientes dos recursos. O uso de instrumentos de política industrial foi farto na década de 70, quando o então presidente Geisel patrocinou o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Os mais liberais condenam esses mecanismos por serem concentradores de riqueza e geradores de ineficiências. Os mais intervencionistas acham que, sem a indução do Estado, o país não chegará a lugar algum. Lula, ao que tudo indica, já fez sua escolha.