domingo, 14 de dezembro de 2008

Quando as estratégias competitivas destróem a vantagem competitiva (como a da escala e da clusterização), a "mão visível" do Estado pode ajudar...

GM e Chrysler se aproximam da falência e Casa Branca não decide o que fazer

http://economia.uol.com.br/ultnot/2008/12/14/ult1767u136097.jhtm

Washington, 14 dez (EFE).- A Casa Branca ainda não decidiu de que forma ajudará sua indústria automobilística, enquanto o tempo passa para General Motors e Chrysler, que se aproximam da falência.O senador republicano Bob Corker, um dos principais negociadores republicanos, indicou que representantes do Departamento do Tesouro analisam hoje junto com diretores das montadoras como cumprir a promessa de não deixar afundar o setor."Acho que ainda não sabem o que vão a fazer", disse em entrevista ao canal "Fox News" o senador, que falou esta manhã com membros do alto escalão da Casa Branca. Sua declaração parece indicar que não é iminente um anúncio de ajuda por parte do Governo, concedendo cerca de US$ 14 bilhões a General Motors, Chrysler e Ford em empréstimos temporários para lhes ajudar a superar a crise.A General Motors, maior fabricante de automóveis do país, precisa de US$ 4 bilhões para terminar o ano e de outros US$ 6 bilhões para seguir operando durante o primeiro trimestre de 2009.A companhia anunciou que de janeiro a março sairão de suas linhas de montagem 250 mil veículos a menos do que o previsto, o que equivale a um corte de 30% de sua produção.A Chrysler, o terceira montadora americana, necessita de US$ 4 bilhões para poder sobreviver durante o primeiro trimestre do ano.Por sua parte, a Ford disse que não requer dinheiro por enquanto, mas solicitou uma linha de crédito como precaução se as condições econômicas piorarem.Os defensores do resgate do setor pressionaram hoje a Casa Branca para que atue."Já estamos em uma recessão profunda", advertiu o senador democrata Sherrod Brown no canal de TV "CBS" e a quebra das empresas automobilísticas "nos afundaria ainda mais em um buraco do que demoraríamos muito a sair", afirmou.Por sua parte, seu colega democrata Carl Levin destacou no mesmo canal que outros Governos já deram empréstimos a seus fabricantes. "Nenhum outro país está permitindo o colapso de sua indústria automobilística", disse.Brown se diz otimista de que a Casa Branca escutará os pedidos, pois o presidente George W. Bush não vai quer deixar a quebra do setor "como seu legado".O departamento do Tesouro assinalou na sexta-feira que o Governo "está pronto para prevenir uma quebra iminente" e a Casa Branca disse que permitir a quebra seria "irresponsável".O Governo indicou que poderia usar fundos do programa de resgate financeiro de US$ 700 bilhões para ajudar as empresas do automóvel, o que significa uma mudança de postura, pois antes tinha insistido que esses recursos eram apenas para escorar os mercados.Aparentemente, também admite a possibilidade de usar a caixa do Federal Reserve (banco central americano) para estender os empréstimos às empresas.A dificuldade maior está nos termos que o Governo dará às companhias como contrapartida para o uso dos fundos.Corker ressaltou que, segundo ele, a Casa Branca deveria manter a proposta apresentada nesta semana pelos senadores republicanos, que contemplava uma reestruturação da dívida e uma redução da remuneração dos trabalhadores.O projeto legislativo para ajudar aos "Três grandes de Detroit" morreu no Senado porque os líderes republicanos se recusaram a votar a não ser que os sindicatos realizassem imediatamente grandes concessões."Não queriam um acordo", espetou a senadora democrata Debbie Stabenow, de Michigan, estado com maior concentração da indústria automobilística do país."Eles seguiam uma agenda política ao tempo que a economia está à beira do abismo", denunciou a senadora em entrevista à emissora da TV "Fox News".

Porter - Vantagem Competitiva (das empresas e nações)

O trabalho de Porter em “Vantagem Competitiva das Nações”, resultante de seu programa de Doutorado em Harvard, propôs os conceitos de estratégia que tentaram lançar algumas novas bases para o estudo de disciplinas acadêmicas (em Administração e Economia) como “Planejamento” e “Estratégia”. Nesta obra, seqüência de um trabalho iniciado quase uma década antes, propôs a análise um setor (referido genericamente como “indústria”, no jargão econômico), em um país, em torno de cinco forças competitivas; e as duas “fontes genéricas” de vantagem competitiva para esse país, por meio de suas empresas: diferenciação e baixo custo. No livro, Porter procurou então adaptar (em uma aplicação prática) essa análise aos países, em um modelo teórico (considerado, então, inovador) que ajudaria na compreensão da posição comparativa daqueles países na competição global. Esta modelagem também ser utilizada para as regiões geográficas internas de um país onde as empresas competem, por meio do conceito do “modelo do diamante”.

Na primeira obra da série, Estratégia Competitiva (Competitive Strategy, 1981), o autor tinha proposto a análise das bases da competição, e definiu as cinco forças competitivas, que são: Rivalidade entre os concorrentes; Poder de barganha dos clientes; Poder de barganha dos fornecedores; Ameaça de novos entrantes; Ameaça de produtos substitutos.

Esta visão do autor implica em que o alvo final da estratégia competitiva é exatamente a tentativa de enfrentar (e até modificar) estas regras no curso da direção das companhias. Em qualquer setor / indústria, seja ela interna ou externa, deve-se ofertar um produto ou um serviço com uma atitude aderente às regras da concorrência estão englobadas em cinco forças competitivas: a entrada de novos concorrentes, a ameaça de substitutos, o poder de negociação dos compradores, o poder de negociação dos fornecedores e a rivalidade entre os concorrentes existentes.

O autor indica somente possível criar esta Vantagem Competitiva, de modo a estabelecer e sustentar um desempenho superior, por meio de 3 ações específicas: entregar um produto ou serviço mais barato; fazê-lo de modo diferenciado, melhor e diferente do que a concorrência; estabelecer o domínio de um nicho de mercado especifico.

Porter era descrente quanto à capacidade de várias empresas fazerem as 3 coisas ao concomitantemente (e nem mesmo 2) em busca dessa vantagem competitiva. No caso, a estratégia a ser escolhida por determinada companhia dependeria de uma espécie de “classificação” (também inovadora) dessas companhias, que poderiam ser: globais, fragmentadas, emergentes, maduras ou em declínio.

Outro elemento central que a obra coloca é o conceito das net values: por tal teoria, toda empresa se apresenta, na verdade, como uma “reunião de atividades” que são levadas a cabo para projetar, produzir, comercializar, entregar e sustentar o produto. Estas ações podem ser empreendidas por essa “cadeia de valores”, composta, no mínimo, por 5 atividades essenciais: a logística interna (todos os compostos necessário para produzir), a produção em si, a logística externa e o composto de distribuição-marketing- pós-venda.

O conjunto dessas atividades básicas, na visão do autor, é suportado por outras que seriam secundárias (no interior das mesmas cadeias), mas não menos importantes como elementos de definição da competitividade. Cada uma das companhias possui, então, a sua própria “cadeia de valor” que determinaria a sua diferenciação diante das outras, e a chamada “otimização” desta cadeia seria exatamente a determinante do sucesso de sua estratégia diante das concorrentes.

No caso da teoria ampliada em “Vantagem Competitiva das Nações”, todos estes axiomas seriam válidos para os países, com o acréscimo de que, no contesto das nações, formar-se-ia um “Sistema Nacional de Valor”, representado pelo que chamou o “modelo do diamante” das forças de competição, que são as somas das forças das empresas, composto de: rivalidade doméstica (quanto mais extrema, melhor); recursos econômicos existentes (e sua forma de aproveitamento); infra-estrutura (incluso, notadamente, o padrão educacional dos cidadãos); e o fenômeno do “agrupamento” (“clusterização”) - concentração de empresas relacionadas entre si, numa zona geográfica relativamente definida, que configuram um pólo de produção que se especializa exatamente nas vantagens competitivas, como o Vale do Silício, na Califórnia, e suas milhares de empresas de tecnologia.

Para o autor, a clusterização é um fator de “retroalimentação” da vantagem competitiva, pois nas regiões onde ocorrem as empresas têm à disposição vários benefícios de economia de escala, ao atrair trabalhadores qualificados.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Friedman: será necessário um barco maior...

Thomas L. Friedman - New York Times - 18/11/2008
Barack Obama certamente está diante de um dos desafios de liderança mais difíceis que um presidente prestes a assumir já enfrentou. Estamos no meio de um colapso econômico terrível, o atual governo perdeu toda a credibilidade, a Câmara dos Deputados está cheia de neanderthais incivilizados e o público está sendo divido por fundamentalistas do livre mercado, que pregam as virtudes de deixar o mercado arrebentar, e esquerdistas que acham que podem punir Wall Street e proteger ao mesmo tempo a economia real. Parece um caos sem ninguém no comando.
É neste momento que um presidente precisa ter habilidade, visão e coragem para superar esta cacofonia, nos unir como nação e nos inspirar e permitir que façamos a única coisa que podemos e devemos no momento: Ir às compras.

Obama não pode esperar até 20 de janeiro para decidir isto. Se não estimularmos rápida e suficientemente a economia global, alguns dos bailes de posse de Obama poderão ser realizados em cozinhas de sopão.
Quando o presidente Bush nos disse para sairmos às compras após o 11 de Setembro, ele estava certo. Nós precisávamos estimular a economia naquele momento. O problema é que a equipe econômica de Bush nunca desligou a luz verde e mandou que as pessoas economizassem.
Assim, com o crédito fácil aparentando ter disponibilidade infinita, os consumidores americanos não pouparam virtualmente nada e inflacionaram os preços dos imóveis a valores recordes. Os varejistas ampliaram suas lojas e a China ampliou suas fábricas para acomodar tanto consumo. Foi uma festa e tanto. Nós tínhamos bancos nos Estados Unidos concedendo hipotecas a qualquer um, me disse um corretor hipotecário.
Mas quando algo parece ser bom demais para ser verdade, geralmente é. Quando essas hipotecas imprudentes no final estouraram, isso levou à crise de crédito. Os bancos pararam de emprestar. Isso logo se transformou em uma crise de ativos, à medida que investidores preocupados começaram a liquidar seus portfólios. A crise de ativos fez as pessoas se sentirem pobres e virou uma crise de consumo, que é o motivo para as compras de carros, eletrodomésticos, imóveis e roupas terem despencado. Isto, por sua vez, tem levado a mais calotes de empresas, exacerbado a crise de crédito e se transformado em uma crise de desemprego, à medida que as empresas correm para demitir funcionários.
Os governos estão tendo dificuldade para conter esta espiral deflacionária -talvez porque esta crise financeira combine quatro elementos que nunca vimos combinados desta forma antes, e não termos compreensão plena de quão danosas foram e poderão ainda ser suas interações.
Estes elementos são:
1) alavancagem imensa - por parte de todos, dos consumidores que compraram imóveis sem nenhuma entrada aos fundos hedge que apostavam US$ 30 para cada US$ 1 que tinham em dinheiro;
2) uma economia mundial que está muito mais interligada do que as pessoas percebiam, que é exemplificada pelos departamentos de polícia britânicos que estão destituídos financeiramente porque investiram seu dinheiro em bancos online da Islândia -para obter um melhor rendimento- que implodiram;
3) instrumentos financeiros entrelaçados globalmente e que são tão complexos que a maioria dos presidentes-executivos que lidam com eles não entendem como funcionam -especialmente no lado negativo;
4) uma crise financeira que começou nos Estados Unidos com nossas hipotecas tóxicas. Quando uma crise começa no México ou na Tailândia, nós podemos nos proteger; quando começa nos Estados Unidos, ninguém pode.
Quando se reúne tamanha alavancagem com tamanha integração global e tamanha complexidade, e então uma crise tem início nos Estados Unidos, o resultado é uma situação bastante explosiva.
Se você pretende combater um pânico financeiro global como este, é preciso atacá-lo com uma força esmagadora - um estímulo esmagador que leve as pessoas a comprarem novamente e uma recapitalização do sistema bancário que o faça emprestar de novo. Eu só espero que o Tesouro americano tenha dinheiro suficiente para fazê-lo. Quando se olha para a forma como o AIG, Fannie Mãe e Freddie Mac estão comendo dinheiro, começam a surgir dúvidas.
E isso me leva de volta a Obama. Nós precisamos de um líder que possa olhar o país nos olhos e dizer claramente: "Nós nunca vimos isso antes. Só há duas opções agora, pessoal: fazer tudo o que pudermos para escorar os bancos e proprietários de imóveis ou correr o risco de um colapso do sistema".
Sim, isso pode significar o resgate a alguns banqueiros que não merecem ser resgatados, ajudando ao mesmo tempo os banqueiros prudentes que fizeram o que era certo. E sim, isso pode significar resgatar os proprietários de imóveis imprudentes que nunca deveriam ter obtido empréstimos hipotecários e agora não têm como pagá-los, sem ajudar as pessoas que pouparam prudentemente e ainda estão pagando em dia suas hipotecas.
Não, não é justo. Mas justiça não está mais no cardápio. Nós lidaremos com isso depois. No momento nós precisamos despejar tudo o que pudermos neste problema para assegurar que esta recessão não se transforme em uma depressão. Não há tempo para meias medidas.
Se você quer saber onde estamos no momento, alugue o filme "Tubarão". Nós estamos naquele momento em que Roy Scheider avista o Grande Tubarão Branco e se vira e diz ao comandante, com olhos arregalados de medo: "Você vai precisar de um barco maior".
Tradução: George El Khouri Andolfato

A crise do sistema financeiro vista pelos cartunistas...




terça-feira, 4 de novembro de 2008

Porque é um crime não estudar Porter nos cursos de Economia e Administração

Este trecho diz tudo...
.... Diz tudo sobre a importância de se estudar mais (com exemplos práticos) as estratégias de posicionamento nos mercados com suas estruturas, em busca de Vantagens Competitivas, ao invés de estudar somente as estruturas...
....Diz tudo sobre entender porque alguns são mais bem sucedidos (até mesmo ao ponto de formarem um oligopólio) quando executam melhor as estratégias.
Enfim, porque é um crime não estudar Porter nos cursos de Economia e Administração...

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Valor Economico - 05/11/2008
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Os bancos brasileiros mostraram-se extremamente ágeis e competentes para se defender da onda de invasão de bancos estrangeiros que ocorreu nos anos 90, quando os ventos da liberalização sopraram com força na América Latina. O sistema financeiro argentino passou quase todo para instituições globais, que também ocuparam posições relevantes no Chile, Peru, Venezuela e México. No Brasil, entretanto, os grandes bancos globais, especialmente os espanhóis do Santander e BBVA, foram contidos em seu expansionismo por uma combinação de aquisições, inovação, investimentos e corte de custos executados pelos bancos domésticos.



Para o sucesso da expertise local contribuiu o enorme período de adaptação que os estreantes tiveram ao adquirir instituições falidas como o Bamerindus e o Econômico. O BBVA, que comprou o Excel - que já não conseguira digerir o Econômico - bateu em retirada do mercado nacional. O Santander patinou por um bocado de tempo até integrar negócios desiguais comprados em várias partes do país. A tacada mais certeira e sem risco foi a compra do Real, um banco bem posicionado, sólido e lucrativo, pelo ABN. O cenário competitivo mudou quando o Santander ficou com o Real.


A melhor defesa foi o ataque, parece ter sido a estratégia do Itaú. O Unibanco era um alvo difícil, mas até certo ponto previsível, e arrebatá-lo deu ao Itaú uma preciosa muralha de proteção e inúmeras vantagens. De uma só vez, bateu o Bradesco e o Banco do Brasil e se tornou o maior banco nacional.


Por outro lado, colocou grandes obstáculos no caminho de seus concorrentes privados, porque nenhuma das instituições que estão na parte inferior do ranking das dez maiores têm o porte do Unibanco, nem está tão bem enraizada em setores estratégicos. Com o Unibanco, o Itaú passa a ter uma formidável posição no mercado de crédito, de seguros, de gestão de recursos e corporativo.

O lance do Itaú definiu a cara da competitividade e concorrência do setor financeiro, pelo menos no curto prazo. Não apenas a concentração aumentou, mas as três maiores instituições privadas (Itaú-Unibanco, Santander-Real e Bradesco) e as duas estatais, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, distanciaram-se muito dos demais bancos. Todos os cinco têm ativos superiores a R$ 260 bilhões e o sexto lugar no ranking é do HSBC, com R$ 97,5 bilhões.

A disputa pela liderança e por ganhos de escala, ao que tudo indica, passará pela compra de bancos menores, embora no pelotão de elite dos dez maiores. O banco Votorantim, o sétimo colocado, e o Safra, o oitavo, tornaram-se belos alvos a partir de agora. A Nossa Caixa deverá ser comprada pelo Banco do Brasil, e pouco se sabe sobre os planos do Citibank, o décimo no ranking. Atingido em cheio pela crise financeira, o banco planeja uma liquidação de ativos global da ordem de US$ 400 bilhões.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

UM POUCO DE HUMOR - Como a crise muda a estratégia e a concorrência...









Materia: A diferença não é só uma letra - Exame 07.08.2008

Carolina Meyer
BBA, do Itaú, e BBI, do Bradesco, disputam o concorrido mercado de bancos de investimento no país. É nele que a competição entre os dois é mais desigual
No mercado brasileiro, poucas disputas despertam tantas emoções e envolvem tanto dinheiro quanto a que coloca frente a frente os dois maiores bancos privados do país, Bradesco e Itaú. Ao longo dos últimos cinco anos, as duas instituições vêm se revezando na liderança dos principais indicadores do mundo das finanças. É do Bradesco, por exemplo, o primeiro lugar em ativos: são 355,5 bilhões de reais, 8,5% mais que o Itaú. É do banco da Cidade de Deus, também, a liderança em número de agências — 5 936 delas espalhadas pelo país. O Itaú ficou com o maior lucro — 8,5 bilhões de reais no ano passado. Sob quase todos os aspectos, a competição entre os dois bancos é um exemplo de concorrência equilibrada, benéfica para o mercado e para o capitalismo brasileiro.Os dois bancos estariam absolutamente emparelhados não fosse um único segmento: o de banco de investimento, modalidade especializada em assessorar empresas em aberturas de capital, emissões de dívida e aquisições. O Itaú comprou o BBA, instituição fundada por Fernão Bracher e Antonio Beltran Martinez, em 2002. O Bradesco criou o BBI em 2006, na esperança de aproveitar a rentável onda de emissões de ações e o aumento no número de fusões pela qual o país vem passando nos últimos tempos. Mas, passados quase três anos de competição entre BBA e BBI, fica evidente que os desempenhos de Itaú e Bradesco nesse mercado são contrastantes. Segundo um ranking recente elaborado pela empresa de informações financeiras Thomson Reuters, o BBA ficou com a primeira posição na assessoria a emissões de ações no primeiro semestre deste ano, desbancando os suíços UBS e Credit Suisse, habituais líderes desse segmento. O BBI, por sua vez, não aparece entre os dez primeiros colocados. É uma situação atípica para o Bradesco, ainda que se considere o pouco tempo de atuação de seu banco de investimento. Em meio ao desafio de crescer nesse mercado, o BBI passa agora por um momento de mudança em sua cúpula. No início de julho, seu diretor-geral, o executivo Bernardo Parnes, deixou o cargo para assumir o comando da operação brasileira do alemão Deutsche Bank. Parnes era um forasteiro quando chegou ao BBI. Havia feito sua carreira no banco de investimento americano Merrill Lynch e administrava a fortuna da família Safra quando foi contratado, em meados de 2006. Foi o primeiro diretor-geral do BBI — e talvez o último. Logo depois de sua saída, o Bradesco anunciou que não contratará um substituto para a vaga. “O trabalho de Parnes foi concluído”, diz José Luiz Acar Pedro, vice-presidente do Bradesco responsável pelo BBI. “A estrutura não precisava mais desse cargo. Os diretores responderão diretamente a mim.”A competição pode ser cruel para um banco de investimento brasileiro. Os líderes desse mercado costumam ser os mesmos em qualquer canto do mundo: os americanos Goldman Sachs, Morgan Stanley e Citi e os europeus Credit Suisse e UBS. Diante desse cenário, o desempenho do Itaú-BBA chama a atenção pela consistência. Seu sucesso recente não é reflexo de um soluço esporádico. Em 2004, ano que marcou o início da onda de aberturas de capital, o BBA já ocupava a sexta posição no ranking de renda variável. Em 2006, passou para o terceiro lugar, posição que manteve também em 2007. Em fusões e aquisições, o BBA tinha uma atuação mais modesta. Ocupou a sétima posição em 2006 e 2007. Neste ano, porém, já ocupa a quarta posição no ranking, depois de participar de dois dos maiores negócios dos últimos meses, a aquisição da Brasil Telecom pela Oi e a venda da mineradora MMX, de Eike Batista, à Anglo American. No Bradesco, a situação foi diferente. Nos últimos anos, o banco vinha ocupando a lanterna dos rankings de fusões e aquisições e emissões de ações, oscilando entre a 15a e a 20a posição. Foi para tentar reverter esse quadro que, em 2006, o Bradesco decidiu criar seu próprio banco de investimento, o BBI. Com a estrutura do Bradesco e seu enorme leque de relacionamentos com grandes empresas, o BBI prometia agitar o mercado. Mas as expectativas superaram a realidade. Em 2007, o BBI ocupou a quarta posição no ranking de fusões e aquisições e o décimo lugar em emissões de ações. Neste ano, seu desempenho piorou e a distância em relação aos líderes aumentou. É verdade que o mercado não está ajudando. Desde o início do ano, foram feitas apenas quatro aberturas de capital em bolsa e sete ofertas secundárias. Mas esses negócios, ainda que escassos, foram coordenados pelos concorrentes. “Em momentos de crise, duas coisas contam a favor de um banco de investimento: experiência no mercado de capitais e capacidade de oferecer crédito abundante”, afirma o executivo de um grande banco. “O Bradesco só contava com a última.”A diferença de desempenho entre os dois bancos de investimento brasileiros pode ser explicada por duas razões principais. A primeira está ligada ao modo com que as instituições se relacionam com suas respectivas naves-mãe. Desde que foi adquirido pelo Itaú, em 2002, o BBA manteve-se como uma instituição à parte, com cultura e política de remuneração próprias, bem diferentes do sistema reinante no Itaú. Isso garantiu ao BBA agilidade nas decisões e um grau de agressividade semelhante a seus pares estrangeiros, como UBS e Credit Suisse. Para montar sua equipe, o BBA contratou um time de seis executivos egressos do UBS, todos com anos de experiência no mercado de capitais. Entre eles está o vice-presidente executivo Jean-Marc Etlin, líder da equipe de investimento. No Bradesco, o processo de concepção do BBI seguiu uma lógica diferente. Apesar de contar com uma tesouraria própria, na prática o braço de investimento continua subordinado à estrutura do banco de varejo. Nenhuma operação do BBI sai do papel sem o consentimento do Bradesco. A equipe de executivos juntou profissionais de mercado, como Parnes, com funcionários de carreira do Bradesco, ainda que alguns deles não acumulassem uma vasta experiência na atual dinâmica do mercado de capitais. O resultado foi a criação de uma estrutura híbrida, que, na visão de analistas do setor financeiro, não tinha o DNA de agressividade necessário a um banco de investimento. “A cultura de um banco de varejo é totalmente diferente da de um banco de investimento”, afirma Antonio Bento, da consultoria Solving International, especializada no setor bancário. “É muito difícil conciliar as duas coisas.”A segunda razão que explica o bom desempenho do BBA, de um lado, e a regular performance do BBI, de outro, é reflexo do grau de importância que esses dois bancos gozam dentro da instituição que representam. No Itaú, o sucesso do BBA é tido como prioridade entre o alto escalão do banco. Muitas vezes, o próprio Roberto Setubal, presidente do Itaú, entra nas negociações com empresas dispostas a abrir o capital, sempre pressionando para que o BBA seja, no mínimo, um dos coordenadores da operação. No Bradesco, o braço de investimento divide espaço — e atenção — com a seguradora ou com a área de cartões de crédito.Mais do que estruturar grandes operações na bolsa, a prioridade do Bradesco é manter intacta a excelente relação com as empresas para as quais empresta dinheiro — e existe um receio generalizado entre seus executivos de que o BBI possa melindrar esse laço. Entre o curto e o longo prazo, o Bradesco fica com o segundo. Tal postura ficou cristalina nas operações envolvendo ofertas secundárias de ações da Gerdau, ocorrida em abril deste ano (e que captaram 4,4 bilhões de reais). Tanto Itaú quanto Bradesco são credores de longa data do grupo, o que, evidentemente, facilita uma aproximação mais incisiva. À época da oferta, a dívida da Gerdau com o Itaú somava aproximadamente 75 milhões de dólares. Com o Bradesco, o montante era seis vezes maior. No entanto, altos executivos do Itaú argumentaram com a cúpula da Gerdau que o BBA deveria coordenar a emissão de ações. O Bradesco preferiu não misturar as coisas. O BBA ficou com o mandato, ao lado do americano JPMorgan. “O Itaú foi muito mais agressivo”, afirma um executivo que participou do processo. “O Bradesco preferiu não criar problemas com a empresa e acabou se conformando com um papel secundário na operação.”Independentemente da postura adotada por Itaú e Bradesco em relação a seus braços de investimento, tanto o BBA quanto o BBI terão de enfrentar um cenário menos favorável nos próximos meses, sobretudo no mercado de capitais. Não estão previstas grandes ofertas de ações na bolsa, pelo menos até o final do ano — a exceção é a oferta secundária de papéis da Vale, da qual tanto o BBA quanto o BBI são coordenadores (e que deve captar algo em torno de 20 bilhões de reais). A atual crise do mercado financeiro fez com que muitas empresas engavetassem seus projetos de abertura de capital, uma das principais fontes de receita desses bancos. Além de um mercado menos movimentado, BBA e BBI devem enfrentar uma concorrência mais acirrada por parte dos bancos de investimento estrangeiros. Para escapar da crise nos Estados Unidos, instituições como Goldman Sachs, Merrill Lynch, JPMorgan e Morgan Stanley decidiram reforçar suas equipes no Brasil. Diante da movimentação, o BBA vem se fortalecendo. O banco contratou recentemente cinco executivos do Deutsche Bank no Brasil, quase todos com passagem pelo Credit Suisse. No BBI, ao menos por enquanto, a preferência é esperar um pouco mais para ver o que acontece — a diferença, de fato, não está apenas numa letra.
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RESUMO
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REFLEXAO CRITICA
A matéria sobre as estratégias de bancos de investimento é perfeita para ilustrar como as estratégias de competitividade e concorrência podem mudar rapidamente, de acordo com o ambiente. O que em agosto parecia verdadeiro para sempre, em outubro já não é mais:
"A competição pode ser cruel para um banco de investimento brasileiro. Os líderes desse mercado costumam ser os mesmos em qualquer canto do mundo: os americanos Goldman Sachs, Morgan Stanley e Citi e os europeus Credit Suisse e UBS."
A competitividade desses competidores citados no texto desapareceu em questão de 60 dias, imersos na crise, onde entraram como causadores, e saíram quebrados. Assim, restou um exemplo clássico, para estudiosos que sabem relacionar as teorias econômicas com a realidade do mercado, de que os argumentos e fatos apresentados na matéria, de acordo com as estratégias das empresas e com o (imprevisível) ambiente, eram convergentes com o que foi lido no livro, mas passaram a ser divergentes, por causa de externalidades que são capazes de contradizer a teoria. Assim, é possível enxergar momentos onde o artigo complementa e sustenta o que diz o livro, mas que também o contradiz.
A análise crítica da matéria (assim como a sua correlação com o livro) deve levar em consideração que, a uma das características relevantes das economias de mercado é o estímulo da competição, pela busca da liderança de determinado setor.

Michael E. Porter - Vantagem Campetitiva das Nações - 4a parte - Fichamento

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Após as teorias sobre competitividade e concorrências descritas nos fichamentos anteriores, pode-se considerar que o trabalho de construção das teorias do autor encontraram a sua melhor aplicação prática nestes capítulos, ao apresentar a definição clássica de três componentes que definem estratégia segundo o posicionamento da organização:

-O conceito nuclear de posicionamento, que representa a criação de uma posição única e valiosa, que envolve um conjunto diferente de atividades no contexto de sua operação (gestão da produção, de finanças, de marketing, de logística, etc).
-As chamadas “opções excludentes” (no termo em inglês, trade-off), onde a estratégia requer que sejam feitas opções para a competição, ou seja, deve-se escolher o que não deve ser feito; e
-A existência de sinergia, situação em que a estratégia implica em criar uma ligação estrutural lógica entre as atividades (de produção, financeiras, logísticas, etc.) da organização.

Nestes capítulos, estudando os casos de várias indústrias de vários países, Porter observa que muitos planos estratégicos são relações de ações sem uma articulação clara da vantagem competitiva que uma empresa tem ou busca conseguir de fato. Ora se negligencia o propósito fundamental da estratégia competitiva no processo de passagem pela mecânica do planejamento, ora se constroem planos com base em projeções de custos e preços futuros errôneos, sem se ter uma compreensão da estrutura industrial e da vantagem competitiva. Ter tal compreensão é determinante para a rentabilidade, quaisquer que sejam os custos e os preços reais.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Que isso nao saia de Las Vegas !!

Thomas L. Friedman
The New York Times 17 08 2008
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(Keep It in Vegas)
THOMAS L. FRIEDMAN
That’s what happens when bubbles burst. You feel wiped out, and the coolness with which the dealers — in this case the markets — sweep away all your chips is unnerving. It’s easy to over-react, and it is important that we don’t. Now is the time for coolly sorting out what markets can do best and what governments need to do better.

Let’s understand what happened here. Wall Street — the financial industry — became a bubble in recent years thanks to an excess of liquidity and the oldest bubble maker in history: greed. Some of the smartest people forgot one of the oldest rules of investing: There is no such thing as a risk-free return. When you reach too far for yield, sooner or later you get burned.

In the ’90s, the no-lose, risk-free, high-yield return was supposed to be dot-com stocks. This decade’s version are subprime mortgages and financial stocks. Just like the dot-comers in the 1990s, the financial stocks got inflated to ridiculous levels and salaries for Wall Street executives reached ridiculous heights. You are now watching live and in color that bubble burst: “Thank you for playing, Lehman Brothers.” That’s really sad for a 158-year-old company.

The market is now consolidating this industry, with the strong eating the weak, which will impose its own fiscal discipline. Good. Maybe then more of our next generation of math geniuses will think about going into engineering the next great global industry — energy technology — rather than engineering derivatives.

But we also need to understand the uniqueness of this bubble in order to identify where smart government needs to step in. One reason this financial bubble got so big is now well known: you and your neighbor went out and got subprime mortgages, which enabled many more people to become homeowners — a real blessing. Your local finance company or bank, which extended those mortgages, later resold them to an aggregator who put them into big packages with thousands of other subprime mortgages. Then those loan packages were chopped up and sold in small pieces as corporate bonds to all kinds of institutions, who were reaching for extra yield. Your subprime mortgage payments went to pay the interest on those bonds.

But as the housing market collapsed, and people couldn’t cover their mortgages or sell their houses, the bonds lost value and, therefore, the banks that held them lost capital, and the whole pyramid started to crumble. This infected the entire housing market, so banks no longer knew the value of their mortgage-backed assets. The result? They stopped lending. Hence, the current credit crunch. This credit crunch is what makes this crisis so lethal. We can’t tolerate a prolonged situation where banks won’t lend to good companies.

That’s why Congress needs to create another Resolution Trust Corporation like we used to get out of the savings-and-loan crisis of the 1980s. As then, so now, we need a government agency to buy the toxic mortgages off the banks’ balance sheets, hold them and sell them in an orderly way later. That would prevent a fire sale of homes and mortgages now and restore confidence to banks so they start lending again.

In the long run, though, regulators need to find ways to limit the amount of leverage investment banks or insurance companies can take on at any one time, because given how intertwined they all are in today’s global economy, one bank blowing up can now take down many.

“We are at the end of an era — the end of ‘leave it to the markets’ and of the great cop-out that less government is always better government,” argues David Rothkopf, a former Commerce Department official in the Clinton administration and author of a book about the world’s financial leaders who brought about this crisis: “Superclass: The Global Power Elite and the World They Are Making.” “I think, however, it is important to stress the difference between smart government and simply more government.

“We do not need a regulatory ‘surge’ on Wall Street,” he added. “We need a complete rethinking of how we make global financial markets more transparent and how we ensure that the risks within those markets — .many of which are new and many of which are not well understood even by the experts — are managed and monitored properly.”

In sum, government’s job is to police that fine line between the necessary risk-taking that drives an innovation economy and crazy gambling with other people’s savings in ways that threaten us all. We need to make sure that what happens in Vegas stays in Vegas — and doesn’t come to Main Street. We need to get back to investing in our future and not just betting on it.
RESUMO
O conhecido Economista e Articulista americano, com sua costumeira verve, faz uam análise bem humorada da crise americana (quando ela ainda não tinha atingido a atual profundidade). Relembra e compara que, nos anos 90, o retorno sem risco, sem prejuízo e altamente lucrativo supostamente vinha das ações pontocom, e que a versão desta década são as hipotecas subprime (de risco) e as ações de empresas do setor financeiro. Conclui, com ironia e fina classe, que o trabalho do governo é policiar esta linha tênue entre o risco necessário que leva a uma inovação na economia e as apostas insanas com as economias de outras pessoas de uma forma que ameaça a nós todos. E diz, sem muito entusiasmo e fé de que realmente ocorra, que precisamos cuidar para que o que acontece em Las Vegas permaneça em Las Vegas - e não chegue à Wall Street.
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Enquanto assistia algumas ações de empresas do setor financeiro serem exterminadas nos últimos meses, eu freqüentemente ouvia uma voz na minha cabeça, e é a mesma voz de um daqueles crupiês em Las Vegas, que friamente lhe diz enquanto recolhe suas fichas após você ter perdido no 21: "Obrigado por jogarem, senhoras e senhores".

É isso o que acontece quando bolhas estouram. Você se sente arrasado, e a frieza com que os crupiês - neste caso os mercados - recolhem todas as suas fichas é enervante. É fácil reagir exageradamente, e é importante que isso não ocorra. Agora é hora dos mercados estudarem friamente o que os mercados podem fazer melhor e o que os governos precisam fazer melhor.
Vamos entender o que aconteceu aqui. Wall Street - o setor financeiro - se tornou uma bolha nos últimos anos graças ao excesso de liquidez e o mais antigo criador de bolhas da história: a ganância. Algumas das pessoas mais inteligentes esqueceram uma das regras mais antigas do investimento: não existe algo como retorno sem risco. Quando você vai longe demais para obter lucro, cedo ou tarde você acaba se dando mal.

Nos anos 90, o retorno sem risco, sem prejuízo e altamente lucrativo supostamente vinha das ações pontocom. A versão desta década são as hipotecas subprime (de risco) e as ações de empresas do setor financeiro. Assim como as empresas pontocom nos anos 90, as ações das empresas do setor financeiro ficaram inflacionadas a níveis ridículos e os salários dos executivos de Wall Street chegaram a alturas ridículas. Agora você está assistindo ao vivo e a cores esta bolha estourar: "Obrigado por jogar, Lehman Brothers". Isso é realmente triste para uma empresa de 158 anos.

O mercado agora está consolidando este setor, com os fortes devorando os fracos, o que imporá sua própria disciplina fiscal. Bom. Quem sabe mais da nossa próxima geração de gênios matemáticos optará por se dedicar à próxima grande indústria global - a tecnologia de energia - em vez de se dedicar a derivativos.

Mas também precisamos entender a singularidade desta bolha visando identificar onde o governo precisa intervir. Um motivo para esta bolha financeira ter ficado tão grande agora é bem conhecido: você e seu vizinho saíram e fizeram hipotecas subprime, que permitiram muito mais pessoas se tornarem proprietárias de imóveis - uma verdadeira bênção. Seu banco ou financeira local, que ofereceu estas hipotecas, posteriormente as revenderam a um agregador que as colocou em grandes pacotes com milhares de outras hipotecas subprime. Então esses pacotes de empréstimos foram picados e vendidos em pequenos pedaços, como títulos corporativos para todo tipo de instituições em buscavam um lucro adicional. Seus pagamentos da hipoteca subprime pagavam os juros desses títulos.

Mas com o colapso do mercado imobiliário, e com as pessoas incapazes de pagar suas prestações da hipoteca ou venderem suas casas, os títulos perderam valor e, portanto, os bancos de posse deles perderam capital, e toda a pirâmide começou a desmoronar. Isso contaminou todo o mercado imobiliário, de forma que os bancos não mais sabiam o valor de seus ativos apoiados por hipotecas. O resultado? Eles pararam de emprestar. Daí o atual arrocho do crédito. Este arrocho do crédito é o que torna esta crise tão letal. Nós não podemos tolerar uma situação prolongada onde os bancos não emprestam para boas empresas.

Esse é o motivo para o Congresso precisar criar outra Resolution Trust Corp. como a que usamos para sair da crise dos empréstimos e poupanças dos anos 80. Como naquela época, nós precisamos de uma agência do governo que compre as hipotecas tóxicas dos bancos, as deixe em ordem e posteriormente as venda. Isso impediria uma grande liquidação de imóveis e hipotecas agora e devolveria a confiança aos bancos, para que comecem a emprestar de novo.

Mas a longo prazo, os reguladores precisam encontrar formas de limitar a quantidade de alavancagem que os bancos de investimento e seguradoras podem empregar, porque dado quão interligados estão atualmente na economia global, o colapso de um banco pode levar muitos consigo.
"Nós estamos no fim de uma era - o fim do 'deixe isso por conta dos mercados' e da grande desculpa de que menos governo é sempre melhor governo", argumenta David Rothkopf, uma ex-funcionário do Departamento de Comércio durante o governo Clinton e autor de um livro sobre os líderes financeiros mundiais que provocaram esta crise: "Superclasse: A Elite que Influencia a Vida de Milhões de Pessoas ao Redor do Mundo". "Mas eu acho que é importante destacar a diferença entre governo inteligente e simplesmente mais governo."

"Nós não precisamos de um aumento regulatório em Wall Street", ele acrescentou. "Nós precisamos de um repensar completo de como tornar os mercados financeiros globais mais transparentes e como assegurar que os riscos dentro desses mercados - muitos dos quais são novos e não muito bem entendidos mesmo pelos especialistas- são administrados e monitorados apropriadamente."

Resumindo, o trabalho do governo é policiar esta linha tênue entre o risco necessário que leva a uma inovação na economia e as apostas insanas com as economias de outras pessoas de uma forma que ameaça a nós todos. Nós precisamos cuidar para que o que acontece em Las Vegas permaneça em Las Vegas - e não chegue à Wall Street. Nós precisamos voltar a investir em nosso futuro, não apenas apostar nele.

Resenha - Vantagem Competitiva das Nacoes - 2a parte

PORTER, Michael E. A Vantagem Competitiva das nações. Rio Janeiro: Campus, 1989.
Resenha dos capitulos 7 a 11
Na segunda parte (após o cap 6) Porter dedica-se a explicar o sucesso de algumas empresas selecionadas, indicando que elas conseguiram demonstrem a sua capacidade não apenas a adotar estratégias competitivas adequadas, mas também de realizar mudanças de rumo quando isto for exigido. Para tanto, as características especiais do mercado e do ambiente econômico e as mudanças esperadas nas formas de concorrência são alguns dos elementos que devem dar a direção das empresas na escolha de suas estratégias. O conhecimento destas características auxilia a descobrir quais vantagens competitivas serão transformadas em maiores vendas e lucros. Qualquer que seja a fonte, as vantagens competitivas usualmente exigem tempo para ser atingidas.

Estas idéias fazem lembrar algumas trabalhhos sobre competitividade, como os de Coutinho & Ferraz (1995), para o qual essa característica aplica-se principalmente às vantagens relacionadas à inovação (características, por exemplo, as indústrias eletro-eletrônica e de tecnologia da informação) e, portanto, a análise da competitividade deve levar em consideração a soma das vantagens competitivas adquiridas pelas empresas.
Também importante nas idéias propostas por Porter é o fato de ser preciso que a empresa seja detentora da capacidade para implementar a estratégia que tenha sido escolhida, sendo que esta deve ser baseada não apenas na capacitação técnica, mas também no desempenho anterior da corporação, que pode ser demonstrado por: capacidade financeira, relações com fornecedores e usuários, imagem conquistada, diferenciação de seus produtos e penetração no mercado, por exemplo A competitividade pode ser definida então, como a capacidade da organização conseguir, em um ambiente de alta competição (ou seja: num ambiente sem monopólios e onde haja um número grande de empresas competindo), obter a sinergia dos atributos ambientais deste modelo de Porter, chamado de “Diamante da competitividade organizacional”. Estes atributos são: fator de produção, fator de demanda e indústrias relacionadas – e, através da utilização do atributo interno – estratégia. Com eles, pode-se superar as demais organizações concorrentes no mesmo ambiente.
O atributo Fator de Produção representa a disponibilidade e o nível de desenvolvimento das fontes de suprimentos de: recursos humanos hábeis, recursos naturais, recursos de capital, infra-estrutura, tecnologia e base científica acessível à organização em seu ambiente.

Já o chamado atributo Fator de Demanda representa a natureza da demanda existente no ambiente onde a organização opera. Representa a pressão exercida por esta demanda no sentido de exigir inovações que levem ao atendimento de suas necessidades por parte das organizações, o principal agente de desenvolvimento da competição presente no ambiente. Trata-se de um instrumento de pressão, necessidade e mesmo adversidade necessário como motor para o advento da inovação. No entanto, inclui a concorrência ou rivalidade existente entre as diversas organizações atuando no mesmo ambiente; e também a capacidade destas organizações satisfazerem às exigências da demanda.

O terceiro atributo, denominado Indústrias Relacionadas refere-se à presença e ao nível de desenvolvimento e eficiência das empresas fornecedoras e atuantes na cadeia produtiva da organização. Trata-se de um importante atributo na busca de inovação por parte de qualquer organização.

Por fim, o chamado Atributo Estratégia; segundo Porter, é o único do modelo de competitividade que depende exclusivamente da organização, ao contrário dos três anteriores que se relacionam fundamentalmente ao ambiente. É representado pela forma como a organização é estruturada e administrada e também da forma como, particularmente enxerga os demais atributos presentes em seu ambiente, e, a partir disso, cria as inovações necessárias à satisfação da demanda; além disso, ao mesmo tempo, a forma como a empresa se reorganiza com o intuito de implementar as inovações geradas. Tais inovações são consideradas no sentido schumpeteriano, ou seja: um processo onde ocorra a criação de uma nova tecnologia, uma nova fonte de suprimentos, ou um novo tipo de organização mais eficiente, de tal maneira que represente vantagem de custo, qualidade, ou ambos; e assim, seja uma ameaça à sobrevivência dos outros competidores através da capacidade de tomar participações de mercado.

Com base nestas colocações de Porter, para avaliação da capacidade de formular e implementar estratégias, é fundamental verificar em que se baseia essa capacidade. Isto significa: identificar os fatores relevantes para o sucesso competitivo - sejam internos à própria empresa, ao seu segmento de atuação, ou sistêmicos à própria economia do país; a partir daí verificar a sua importância setorial no presente e a que se pode esperar no futuro próximo, e avaliar o potencial das firmas do país com relação a eles. Chega-se, assim, uma abordagem dinâmica do desempenho competitivo da empresa, baseada no exame de seus fatores determinantes.

Resenha - Vantagem Competitiva das Nacoes - 1a parte

As transformações econômicas dos anos 1980-90 ampliaram, no período que passou a ser conhecido como era da globalização, a noção de competitividade das nações. Uma definição particularmente influente colocada por Porter revela que a competitividade para uma nação é o grau pelo qual ela pode, sob condições livres e justas de mercado, produzir bens e serviços que se submetam satisfatoriamente ao teste dos mercados internacionais enquanto, simultaneamente, mantenham e expandam a renda real de seus cidadãos. Competitividade é a base para o nível de vida de uma nação. É também fundamental à expansão das oportunidades de emprego e para a capacidade de uma nação cumprir suas obrigações internacionais.

Essa abordagem traz o reconhecimento que a competitividade internacional de economias nacionais tem como base a competitividade das empresas que operam dentro das suas fronteiras, e exportam a partir delas. Concomitantemente, identifica a competitividade das economias nacionais como sendo algo mais do que a simples agregação do desempenho de suas empresas; passa pela sinergia entre as respectivas cadeias, e o próprio desenho de políticas industriais e do ambiente concorrencial que preservem certos aspectos de competitividade.
Nessa visão dinâmica da competição e da internacionalização, predominante em Porter, a competitividade deve ser entendida como a capacidade da empresa de formular e implementar as chamadas estratégias competitivas. Porter define estratégia competitiva como a busca do que seria uma posição competitiva favorável em um setor, cujo objetivo seria exatamente a busca do estabelecimento de uma posição lucrativa e sustentável na luta contra as forças que determinam os processos concorrenciais em cada atividade, setor ou país.
Porter menciona cinco forças competitivas:

Os entrantes potenciais caracterizam a ameaça da entrada de novas empresas na disputa pelo mercado.
Os produtos substitutos exprimem ameaças constantes à estrutura de mercado na qual a empresa está inserida. A convivência com esse tipo de força resulta numa limitação das margens de lucro, pois o nível de preços estabelecido pode induzir os consumidores a procurarem alternativas mais acessíveis, substituindo então seus produtos.
O poder de barganha dos fornecedores resulta numa ameaça nos mercados caracterizados pela ação de monopólios, oligopólios, cartéis ou qualquer outra forma de ação conjunta dos fornecedores.
O poder de barganha dos compradores é diretamente relacionado ao grau de concentração das vendas. O alto grau de concentração, muitas vezes, pode ser induzido por questões da estrutura de mercado ou gerenciais. Os clientes, é claro, procurarão forçar tanto mais sua ação nos preços quanto maior for a importância do produto em sua estrutura de custos. É importante que se identifiquem as possíveis tendências à integração a montante dos clientes.
A rivalidade entre os concorrentes existentes é caracterizada pelas costumeiras ações de guerra de preços, pelas campanhas publicitárias, e pela introdução de novos produtos. O sucesso competitivo passa, assim, a depender da criação e renovação das vantagens competitivas por parte das empresas; este é um processo onde cada produtor se esforça por obter peculiaridades que o distingam favoravelmente dos demais, como, por exemplo, custo e/ou preço mais baixo, melhor qualidade, menor lead-time com base em expertise logística, maior habilidade de servir à clientela, etc.

O almoço grátis de Fannie e Freddie

O almoço grátis de Fannie e Freddie
Joseph Stiglitz
Valor On Line 30/07/2008
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RESUMO

O autor, premio Nobel de Economia, procura relembrar o valor da máxima "não existe almoço grátis", de Milton Friedman. Escrita ainda ao inicio da atual crise americana, defende que as pessoas responsáveis pelos erros - diretoria, acionistas e detentores de bônus - e devem arcar com as conseqüências. Defende que não se deve exigir que os contribuintes coloquem um tostão enquanto os acionistas estão sendo protegidos, e que os contribuintes precisariam ser compensados pelos riscos que enfrentam. Conclui que não devemos nos preocupar sobre os acionistas perderem seu investimento, pois nos primeiros anos, eles foram amplamente recompensados, e, depois, eles tiveram o que pediram.
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Muito tem sido feito nos anos recentes a respeito de parcerias público-privadas. O governo dos EUA está prestes a embarcar em mais um exemplo desse tipo de parceria, na qual o setor privado abocanha os lucros e o setor público assume as responsabilidades.
A sugerida operação de salvamento da Fannie Mae e do Freddie Mac resulta na socialização do risco - com todas as implicações adversas de longo prazo para o risco moral - de uma administração supostamente comprometida com os princípios do livre mercado.
Os defensores do socorro argumentam que essas instituições são grandes demais para que lhes seja permitido declarar falência. Se este é o caso, o governo tinha a responsabilidade de regulá-las para que não falissem. Nenhuma companhia de seguros daria cobertura a esse incêndio sem exigir sistemas apropriados de dispersão de água contra fogo; nenhuma deixaria o assunto para a "auto-regulação". É isso, porém, o que temos feito com o sistema financeiro.
Mesmo que sejam grandes demais para falir, não são grandes demais para serem reorganizados. De fato, o governo realmente está propondo uma forma de reorganização financeira, mas do tipo que não atende aos princípios básicos do que esse tipo de programa patrocinado publicamente deveria constituir.
Primeiro, ele deve ser completamente transparente, sendo que os contribuintes devem conhecer os riscos que assumiram e quanto foi concedido aos acionistas e detentores de ações que estão sendo socorridos. Segundo, deve haver total prestação de contas. As pessoas responsáveis pelos erros - diretoria, acionistas e detentores de bônus - devem arcar com as conseqüências. Não se deve exigir que os contribuintes coloquem um tostão enquanto os acionistas estão sendo protegidos. Por fim, os contribuintes precisariam ser compensados pelos riscos que enfrentam. Quanto maiores os riscos, maior a compensação.
Todos esses princípios foram violados no salvamento do Bear Stearns. Os acionistas se retiraram com mais de US$ 1 bilhão, ao passo que os contribuintes ainda não conhecem o tamanho dos riscos que assumiram. Pelo que se pode perceber, os contribuintes não estão recebendo nenhum centavo por toda essa carga de risco. Escondidos nos títulos lastreados em créditos concedidos ao JP Morgan pelo Federal Reserve (Banco Central dos EUA), que possibilitaram ao banco assumir o controle do Bear Stearns, quase certamente existiam opções de taxas de juros e de créditos no valor de bilhões de dólares. Teria sido fácil projetar uma reestruturação mais transparente e que protegesse melhor os interesses dos contribuintes, concedendo alguma compensação para a carga de risco que suportam.

O salvamento da Fannie e do Freddie é a socialização do risco de administrações comprometidas com os princípios do livre mercado

Mas o socorro proposto à Fannie Mae e ao Freddie Mac faz o salvamento do Bear Stearns parecer um modelo de boa governança. É um exemplo para outros países sobre o que não fazer. O mesmo governo que não conseguiu regular e depois pareceu empolgado com o plano de socorro ao Bear Stearns agora pede que o povo americano assine um cheque em branco. Eles dizem: "confiem em nós". Sim, podemos confiar na administração - ou dispensar mais um tratamento injusto aos contribuintes.
Algo precisa ser feito - nesse ponto todos concordam. Deveríamos começar do núcleo do problema, do fato de milhões de americanos terem tomado empréstimos acima da sua capacidade de pagar. Precisamos ajudá-los a permanecer nas suas residências, inclusive por meio da conversão da dedução do financiamento da casa própria em um crédito fiscal que possa ser convertido em dinheiro, e criar uma lei de concordata de proprietários de moradias, uma forma ágil de reestruturar as suas dívidas. Isso trará clareza aos mercados de capitais, reduzindo a incerteza em torno da dimensão do rombo nos balanços patrimoniais da Fannie Mae e do Freddie Mac.
O governo deve fixar um limite para o tamanho do plano de salvamento, deixando claro ao mesmo tempo que, apesar de não permitir a quebra da Fannie Mae e do Freddie Mac, tampouco entregará um cheque em branco. Uma reorganização drástica será necessária. Deveria haver uma taxa pela "linha de crédito" (qualquer empresa privada faria o mesmo) e, dado o risco, seria a uma taxa acima do normal.
O setor privado sabe como proteger os seus interesses; o governo não deveria fazer menos. Enquanto a linha de crédito for estendida, não deverão ser pagos dividendos. Para se assegurar de que o governo não estaria simplesmente socorrendo credores que foram reprovados na avaliação da sua credibilidade financeira, pelo menos, digamos, 25% de qualquer título, empréstimo ou bônus vencendo que não seja emprestado de novo deveria ser posto de lado numa conta vinculada, a ser paga apenas depois de ficar caracterizado que os contribuintes não correm risco. Todo e qualquer tipo de empréstimo do governo deve ser dívida preferencial com direito a dividendo cumulativo: os contribuintes são ressarcidos antes de qualquer outro credor receber um centavo. Para desestimular risco moral, a taxa de juros deve ser fixada a uma taxa de multa e, espelhando o risco ascendente, aumentar com a quantia tomada. Por último, o governo deveria participar no potencial positivo, assim como no potencial negativo - por exemplo, aceitando ações (que poderá vender depois) ou, como fez no socorro à Chrysler, garantias.
Não devemos nos preocupar sobre os acionistas perderem seu investimento. Nos primeiros anos, eles foram amplamente recompensados. Os pacotes de remuneração de diretoria que eles aprovaram foram projetados para incentivar a excessiva exposição a riscos. Eles tiveram o que pediram. Tampouco deveríamos ficar preocupados com a perda do dinheiro por parte dos credores. A falta de fiscalização deles alimentou a bolha da casa própria e agora todos estamos pagando o preço. Deveríamos nos preocupar em saber se existe uma oferta de liquidez no mercado habitacional, para que as pessoas que quiserem comprar uma casa possam receber um empréstimo. Esta proposta oferece a liquidez necessária.
Uma lei básica de economia sustenta que não existe almoço grátis. As pessoas no mercado financeiro tiveram um banquete suntuoso e agora o governo está pedindo ao contribuinte que pague parte da fatura. Devemos simplesmente dizer não.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A globalizacao e a internet

http://www.riototal.com.br/coojornal/hszmuk017.htm

Por Helga Szmuk

Eficiencia Energetica - Economizando no chuveiro

Navegem em

http://www.rewatt.com.br/index.php?pg=detalhe&id=6&tipo=e

Muito interessante !!

BH Vista da Serra do Curral / Mangabeiras

Vitoriosos da globalização à caça do próximo país de baixos salários

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2008/05/15/ult2682u794.jhtm



15/05/2008
Vitoriosos da globalização à caça do próximo país de baixos salários
- Parte 2
O que as empresas ocidentais fazem quando os operários da China
começam a exigir melhores salários e condições? Fácil -transferem a
produção para um país mais barato. A perda da China é o ganho do
Vietnã

De Alexander Jung e Wieland Wagner

A caravana passa
O administrador Huang Hanxin, 68 anos, está combatendo a nova onda
de custos em todas as frentes. Ele dirige a Sha Wan Dian Ji, uma das
maiores fabricantes de secadores de cabelo do mundo, que produz
cerca de 7 milhões de unidades por ano. Os funcionários, a maioria
mulheres jovens, montam os secadores que serão vendidos sob as
marcas Revlon, Conair, Babyliss e Vidal Sassoon. Eles montam os
corpos plásticos em uma taxa quase acrobática, com 70 mulheres
montando 3 mil unidades por dia na linha de montagem.

A fábrica antes conseguia um lucro de 15%, mas atualmente este
número caiu para entre 3% e 5%, diz Huang, acrescentando que a
valorização do yuan frente ao dólar prejudicou seriamente a empresa.
Além disso, diz Huang, leis de proteção ambiental mais rígidas
aumentaram em 3% a 5% o custo da produção. A União Européia exigiu
recentemente que os fabricantes reduzissem o conteúdo de substâncias
perigosas como chumbo e cádmio em aparelhos eletrônicos. Isto, diz
Huang, significa comprar materiais diferentes e mais caros.

Os compradores de bens importados da China estão descobrindo que
seus preços saltaram consideravelmente, especialmente para itens
comuns como vestuário e calçados. Grandes gerentes de compras de
empresas manufatureiras e de comércio alemãs confirmam que o "made
in China" não é mais sinônimo de "imbativelmente barato". Fontes na
gigante alemã de vendas por catálogo, Otto, dizem que notaram "altas
significativas de preços", especialmente para têxteis. A Kaufhof,
uma grande loja de departamentos alemã, também está vendo aumentos
constantes de preços para produtos feitos na China. Fontes nas
empresas dizem estar "preocupadas" com a situação. De fato, a
situação é motivo de preocupação para qualquer um que faça negócios
com a China, especialmente empresas de pequeno e médio porte.

Os fornecedores chineses aumentaram preços em todas as categorias de
produtos, diz Mario Moeschler, um executivo de marketing da Winora,
uma fabricante de bicicletas com sede na cidade bávara de
Schweinfurt, que diz que as altas nos preços foram entre 5% e 10%.
"Nós fomos informados sobre os aumentos de preços", diz Moeschler,
que recebe três a quatro cartas da China a cada semana.

A explicação para o aumento de preço é sempre a mesma, ele diz: o
valor da fatura é maior, infelizmente, porque o aço e o alumínio se
tornaram incrivelmente caros. Esses aumentos de preço são
especialmente prejudiciais aos fabricantes de bicicletas, que obtêm
muitas de suas peças, como quadros e garfos, da China.

É claro, os preços das matérias-primas subiram em todo o mundo. Mas
o que está tornando os produtos da China muito mais caros agora é o
enorme aumento nos custos trabalhistas. Um aumento anual de 10% ou
mais nos salários agora se tornou regra.

Atualmente um engenheiro chinês ganha cerca de US$ 31 mil por ano,
aproximadamente o dobro do que no início da década. Além disso, está
se tornando cada vez mais difícil encontrar -e manter- esses
trabalhadores qualificados.

Não causa surpresa que 94% das empresas alemãs com negócios na China
esperem que os custos salariais continuaram subindo, como mostrou um
levantamento da firma de consultoria administrativa
PricewaterhouseCoopers (PwC) e da Associação Federal de
Administração, Compra e Logística de Materiais. Segundo o estudo, a
economia média em preço com produtos chineses atualmente é de apenas
cerca de 10%. As empresas dizem que não é incomum para elas até
terem prejuízo.

"À medida que aumenta o padrão de qualidade e o nível de automação,
e as limitações de tempo se tornam mais restritivas, terceirizar
produtos na China está se tornando cada vez menos atrativo, do ponto
de vista do preço", diz Klaus Schulten, especialista da PwC.

Os importadores começaram a procurar por alternativas há muito
tempo. "Leste Europeu e Índia", conclui o estudo da PwC, "se
tornarão substancialmente mais importantes como mercados de
fornecimento a médio prazo". Parece que a caravana está seguindo em
frente.

Um empregador modelo
E a indústria de calçados estabeleceu o tom. Centenas de empresas já
tiveram que fechar suas fábricas na província de Guangdong, na
China. Ao mesmo tempo, centenas lançaram novas operações em países
como Índia, Bangladesh, Indonésia, Vietnã e Camboja. Ironicamente, a
indústria de calçados alemã às vezes se depara com velhos conhecidos
lá: freqüentemente são os chineses que desenvolvem fábricas nestes
países.

Thomas Schneider, 52 anos, também se estabeleceu no Vietnã, a terra
prometida da indústria internacional de calçados, onde a maioria dos
seus clientes -marcas globais, de Adidas a Timberland- estão cada
vez mais tendo seus calçados fabricados. Schneider pesquisou
inúmeros parques industriais antes de encontrar uma área próxima de
Ho Chi Minh, antes conhecida como Saigon. A partir de agosto de
2009, 200 operários começarão a curtir couro para Schneider na nova
instalação.

Schneider, que aprendeu a atividade de curtimento em Reutlingen,
perto de Stuttgart, quase estabeleceu raízes na China. Ele
desenvolveu um curtume em Taiwan e, no início dos anos 90, seguiu a
indústria do couro para a China, o mais recente paraíso de baixos
salários da época.

Ele agora opera um dos maiores curtumes da China em Guangdong, onde
sua empresa, a ISA Tan Tec, desenvolveu sistemas de produção bons
para o meio ambiente e fornece segurança e saúde ocupacional
exemplares, revolucionando assim uma indústria notoriamente
poluidora e insegura.

Mas agora sua fábrica modelo enfrenta dificuldades. No ano passado,
o governo em Pequim removeu as isenções de impostos para bens
exportados como couro. Desde abril, a ISA Tan Tec começou a pagar
perto de 18% do preço de venda em impostos para fornecer para
fábricas de calçado do exterior. No passado, a sobretaxa era de
pouco mais de 2%.

Aumentos gerais de preços -devido aos salários mais altos, taxa
recorde de inflação de mais de 8% e a valorização do yuan- também
complicaram as coisas. Mas a pior coisa na China, diz Schneider, é a
incerteza, porque as autoridades em Pequim planejam as isenções de
impostos ano a ano. Isto impossibilita para qualquer empresa
planejar de forma confiável para o futuro.

Devido aos altos custos, Schneider já reduziu sua força de trabalho
em Guangdong de 1.000 para 800 funcionários. Até que a fábrica
planejada no Vietnã esteja pronta para entrar em operação, ele já
conta com couro produzido no Vietnã por outro curtume. Afinal, seus
clientes não esperarão por ele.

Schneider também planeja seu novo endereço perto de Ho Chi Minh como
uma fábrica modelo. Apesar de ser obrigado a pagar aos trabalhadores
no Vietnã apenas metade do que paga aos trabalhadores na China
-cerca de US$ 65 por mês- as exigências rígidas das empresas de
calçados em relação à proteção ambiental e segurança se aplicam
igualmente ali. Schneider não têm restrições em atender, porque seus
métodos de produção bons para o meio ambiente são na verdade seu
trunfo mais forte na luta contra sua concorrência.

Ele até mesmo planeja reduzir a temperatura em sua fábrica usando
uma bomba de calor. Além de reduzir as emissões de CO2, essas
técnicas também permitem a Schneider reduzir seus custos de
eletricidade. Os preços também estão subindo no Vietnã, onde a
inflação está próxima de 20%. Durante uma visita de levantamento,
Schneider ouviu histórias de outros chefes sobre quão dura é a
disputa por pessoal qualificado. Após o Tet, o Ano Novo vietnamita,
milhares de vietnamitas não voltaram aos seus empregos -eles os
trocaram por empresas que pagam mais.

Mas Schneider não tem escolha. A próxima etapa do jogo se passa no
Vietnã -pelo menos até que seus clientes na indústria de calçados
decidam que é hora de se mudar para o próximo país de salário baixo.


Tradução: George El Khouri Andolfato

SENDO "ENXUTA", E "BEM ESCRITA", É "FANTASTICA", "ILUSTRADORA", "PEDAGÓGICA", "MUITO LEVEMENTE TENDENCIOSA"...

A história da 'Chináfrica' ou a aventura dos chineses no continente negro

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2008/05/20/ult580u3091.jhtm

20/05/2008
A história da 'Chináfrica' ou a aventura dos chineses no continente negro

Por Serge Michel e Michel Beuret
Especial para o Le Monde

O último ato da globalização está se desenrolando longe dos olhares dos
ocidentais. Os seus atores são milhares de migrantes chineses que vêm se
instalando por toda parte na África com o objetivo de construir,
produzir e comerciar. Serge Michel e Michel Beuret, acompanhados do
fotógrafo Paolo Woods, foram ao seu encontro.

A seguir, o "Le Monde" publica trechos do prólogo do seu livro que está
sendo lançado nesta terça-feira (20), intitulado "La Chinafrique, Pékin
à la conquête du continent noir" (A "Chináfrica", Pequim e a conquista
do continente negro, Editora Grasset & Fasquelle, 2008), ilustrado por
fotos de Paolo Woods.

"Ni hao, ni hao". Nós caminhávamos havia dez minutos por esta rua de
Brazzaville quando uma alegre turminha de crianças congolesas parou de
correr atrás de uma bola para nos cumprimentar. Os brancos, na África,
estão acostumados a ouvir saudações do tipo: "Hello mista!", "salut
toubab!", ou ainda, "Monsieur Monsieur!". Mas esses moleques, alinhados
e sorridentes à beira da calçada, enriqueceram o repertório. Eles
gritaram: "Ni hao, ni hao", ou seja, bom dia em chinês, antes de
prosseguirem o seu jogo. Para eles, todos os estrangeiros são chineses.

Algumas centenas de metros mais adiante, operários de uma companhia
chinesa estavam trabalhando na construção da nova sede da televisão
nacional congolesa, um edifício de vidro e de metal que parecia ter
caído do céu neste bairro popular. Além disso, na entrada da rua, esta
mesma companhia também construia uma mansão suntuosa destinada a um
membro do governo, sem dúvida numa forma de agradecimento pela
atribuição da obra da televisão. Na cidade, outras empresas chinesas
estavam dando os últimos retoques no novo ministério das relações
exteriores e da francofonia, e ainda tapavam os buracos de obus nos
prédios atingidos pela guerra civil.

*Histórias de uma nova África*

A 2.250 quilômetros a noroeste dali, na periferia de Lagos, na Nigéria,
a usina da Newbisco estava vivendo uma maldição. Fundada por um
britânico antes da independência de 1960, esta unidade de produção de
biscoitos água e sal conheceu muitos proprietários diferentes, uma vez
que nenhum deles se mostrou capaz de mantê-la lucrativa num país onde as
exportações petroleiras e a corrupção sufocam qualquer outra atividade
econômica. Em 2000, o seu penúltimo patrão, um indiano, revendeu a
Newbisco, já num estado bastante deteriorado, para o homem de negócios
chinês Y. T. Chu. Quando nós entramos na usina, numa manhã de abril de
2007, um cheiro de farinha e de açúcar flutuava no ar. As esteiras
rolantes carregavam a cada hora mais de três toneladas de pequenos
biscoitos que eram imediatamente embalados por dezenas de operárias.
"Nós cobrimos apenas 1% das necessidades do mercado nigeriano", disse Y.
T. Chu com um sorriso.

Os repórteres retornam quase sempre da África com histórias dramáticas
de crianças esfomeadas, de conflitos étnicos e de ondas de violência
incompreensíveis. É claro, nós fomos testemunhas do tudo isso no
decorrer das nossas reportagens na África ao longo dos últimos anos,
mas, desta vez, no momento de começar a redação deste livro, são as
imagens de uma África nova que predominam em nossa mente: as crianças de
Brazzaville que cumprimentam em chinês, a usina de biscoitos de Lagos,
ou ainda a auto-estrada que foi construída no Sudão, e que nós
utilizamos no verão de 2007.

Nós estávamos viajando de carro havia duas horas entre Cartum e
Port-Soudan quando um trecho do livro de Robert Fisk voltou a assombrar
a nossa mente. Em 1993, foi numa aldeia situada à esquerda desta estrada
que o repórter britânico marcara um encontro com Osama Bin Laden, que
havia se refugiado no Sudão após ter conclamado os muçulmanos à guerra
santa contra os americanos na Arábia Saudita. Para agradecer aos seus
anfitriões sudaneses, ele explicou para Fisk que iria construir uma nova
estrada de 800 quilômetros entre a capital e o grande porto. Em 1996, o
terrorista foi obrigado a fugir novamente, desta vez para o Afeganistão,
onde ele desenvolveu outros projetos, que não diziam respeito à
engenharia civil. Quem se habilitaria a concluir a sua obra? Os
chineses. Eles prevêem até mesmo construir uma ferrovia ao lado da
auto-estrada. As companhias chinesas, que chegaram maciçamente ao país a
partir de meados dos anos 1990, nele já investiram US$ 15 bilhões (cerca
de R$ 25 bilhões), em particular na exploração de poços de petróleo que
fornecem atualmente à China cerca de 10% das suas importações.

Durante mais de um ano, nós percorremos milhares de quilômetros e
visitamos quinze países com o objetivo de contar o que a China está
fazendo na África. Esta idéia já caminhava em nossa mente havia certo
tempo, mas ela acabou vingando por ocasião de um encontro improvisado
com Lansana Conté, o presidente da Guiné, no final de outubro de 2006.
Havia uma dezena de anos que ele não dava entrevista para a imprensa
estrangeira. Por que aceitar nos receber, naquele dia, em sua aldeia
natal, situada a três horas de viagem da capital, Conacri? Talvez porque
precisasse provar que ele ainda estava vivo, num momento em que corriam
boatos de que estava agonizando e que o país estava se deixando dominar
pelo caos.

*"Ao menos, eles trabalham"*
De fato, a discussão foi bastante sombria, apesar do cenário encantador
da imensa mansão do presidente Conté, com vista sobre o seu lago
privado. Ele chamou a maior parte dos seus ministros de "ladrões" e
fustigou os brancos, "que nunca pararam de se comportar como
colonizadores". Cantou as glórias de uma Guiné agrícola e pareceu
arrasado com a descoberta em alto-mar de jazidas petrolíferas que, em
sua opinião, farão da Guiné um país ainda mais corrupto.

Uma única vez, o rosto do presidente ficou iluminado: foi quando a
discussão abordou o assunto dos chineses. "Os chineses são
incomparáveis!", exclamou o general idoso. Ao menos, eles trabalham!
Eles não têm medo de pisar na lama junto com a nossa gente. Alguns deles
são cultivadores, como eu. Eu lhes entreguei uma terra cansada; vocês
deveriam ver o que eles fizeram com ela!"

A presença de chineses na África não é mais uma surpresa. Ao longo dos
últimos quatro ou cinco anos, nós os vimos progredirem por todos os
lados no decorrer das nossas reportagens, em Angola, no Senegal, na
Costa do Marfim ou em Serra Leoa. Mas o fenômeno passou para uma outra
escala. As coisas estão ocorrendo em alta velocidade, como se de repente
eles tivessem multiplicado seus esforços a ponto de penetrarem no
imaginário de um continente inteiro, desde o velho presidente guineense,
que há muito não viaja mais, a não ser para se fazer tratar na Suíça,
até os moleques congoleses, novos demais para diferenciarem um europeu
de um asiático.

No espaço de poucos anos, a questão da presença da China na África,
passou de um assunto complexo reservado a especialistas em geopolítica,
para um tema central nas relações internacionais e na vida cotidiana do
continente. E contudo, pesquisadores e jornalistas continuam trabalhando
com os mesmos números macroeconômicos: o comércio bilateral entre as
duas regiões foi multiplicado por 50 entre 1980 e 2005. Ele quintuplicou
entre 2000 e 2006, passando de US$ 10 bilhões para US$ 55 bilhões (de R$
16,5 bilhões para R$ 90,5 bilhões), e deverá alcançar US$ 100 bilhões
-cerca de R$ 165 bilhões- em 2010. Cerca de 900 companhias chinesas já
teriam se instalado em solo africano. Em 2007, a China teria tomado o
lugar da França como o segundo maior parceiro comercial da África.

Só que estes são números oficiais, que não levam em conta os
investimentos de todos os migrantes. Aliás, quantos são eles? Um
seminário universitário que foi realizado no final de 2006 na África do
Sul, onde a comunidade chinesa é a mais numerosa, arrisca o número de
750.000 para todo o continente. Os jornais africanos, por sua vez, não
raro se deixam levar pela euforia e chegam a se referir a "milhões" de
chineses. Do lado chinês, a estimativa mais elevada é apresentada pelo
vice-presidente da Associação da Amizade entre os Povos da China e da
África, Huang Zequan, que percorreu 33 dos 53 países africanos. Numa
entrevista que ele concedeu ao "Jornal do Comércio" chinês, em 2007, ele
avalia que 500.000 dos seus compatriotas vivem hoje na África (contra
250.000 libaneses e menos de 110.000 franceses).

Como se não passassem de integrantes de um exército de formigas, esses
migrantes não têm nome, nem mesmo um rosto, e permanecem mudos. Na
maioria dos casos, os jornalistas se queixam de que eles se recusam a
falar. E o tom dos artigos para descrevê-los se mostra inquieto, e até
mesmo alarmista, como se a chegada de uma nova potência não passasse de
mais uma calamidade para o continente negro, cujos sofrimentos já são
infindáveis.

Parece preferível enxergar as coisas de outra maneira. A entrada da
China na cena africana poderia muito bem representar, para Pequim, o seu
coroamento como superpotência mundial, uma nação capaz de fazer milagres
tanto em sua própria casa quanto nas mais ingratas das terras do
planeta. Além disso, para a África, este encontro talvez seja a
concretização da recuperação tão esperada desde o processo de
descolonização, nos anos 1960. Quem sabe, a hora do continente esteja
finalmente chegando -não só a hora da realização da derradeira esperança
do presidente guineense, como também dos 900 milhões de africanos-,
sinal de que mais nada será como antes. Neste contexto, vale conhecer
melhor os protagonistas deste enredo.

*Aventura chinesa na África*
Os chineses, primeiro. A história, tal como é contada no Ocidente, reza
que eles vivem há milênios uma aventura trágica, essencialmente coletiva
e confinada no interior das suas imensas fronteiras. Um dia de dezembro
de 1978, no momento em que o Império do Meio estava apenas se
recuperando dos tormentos da revolução cultural, Deng Xiaoping acenou
para os seus compatriotas com um slogan revolucionário: "Enriqueçam".
Vinte anos mais tarde, este se tornou o credo de 1 bilhão e 300 milhões
de chineses e, ao menos para uma parte dentre eles, isto já é uma
realidade. Para os outros, sobretudo os rurais, a vida tornou-se
impossível. Desde tempos imemoriais, na China, esta categoria da
população busca deixar a sua terra por um mundo melhor. A diáspora
chinesa, dizem, é a mais numerosa no mundo, com 100 milhões de pessoas,
além de ser a mais rica.

Até o ano de 2000, Pequim ainda tentava frear este movimento, de modo a
evitar que a imagem do regime saísse manchada. Atualmente, o incentiva,
em particular no que diz respeito aos bravos que querem tentar a sua
chance na África. Aos olhos dos dirigentes chineses, e singularmente na
concepção do presidente -que ganhou até mesmo o apelido de Hu Jintao, o
Africano-, a emigração acabou se tornando uma parte da solução ao
problema que consiste em reduzir a pressão demográfica, o
superaquecimento econômico e a poluição.

"Nós temos 600 rios na China, dos quais 400 morreram por causa de
poluição", afirmou um cientista em entrevista ao "Le Figaro", pedindo
para que o seu nome não fosse citado. "Nós não conseguiremos superar
este problema sem enviar ao menos 300 milhões de pessoas para a África!"

Até o momento, centenas de milhares deles já deram o grande salto.

É assim que termina, em meio ao mais completo silêncio, uma das últimas
etapas da globalização, com o encontro das duas culturas mais distantes
entre si que a terra já tenha visto. Na África, que é o seu novo
"faroeste", os chineses estão descobrindo às apalpadelas os grandes
espaços e o exotismo, a rejeição, o racismo e a aventura individual -e
até mesmo espiritual. Eles compreendem que o mundo é mais complicado do
que as descrições que dele faz o jornal "O Cotidiano do Povo". Esses
migrantes se encontram ora na posição de predadores, ora na de heróis da
sua própria história, ora conquistadores, ora samaritanos. É claro, eles
tendem a ficar entre eles, a se alimentar da mesma forma que em seu
país, não fazem esforços para aprender as línguas autóctones, nem mesmo
o francês ou o inglês; e, em muitos casos, eles não escondem a sua
reticência, com um careta de nojo, diante da idéia de abraçarem os
costumes locais, isso para não mencionar um eventual matrimônio com uma
mulher africana.

De tanto terem permanecido enclausurados atrás das suas grandes muralhas
ao longo de milênios, os chineses teriam perdido a vontade de se adaptar
às outras civilizações ou de coabitar com elas. Mas nenhum deles
retornará incólume da África. As suas viagens, e descobertas, abalam
daqui para frente a inércia da China, da mesma forma que pode ter lhe
proporcionado durante os anos 1980, a sua conversão ao capitalismo.
Esses chineses farão nascerem novas idéias, novas ambições.

Aliás, o seu governo, por sua vez, também passou por um processo de
mudanças desde que ele intensificou a sua presença na África. Muito
apegado ao seu lema de "não-ingerência" nos assuntos internos de outros
países, ele vai se dando conta progressivamente de que um apoio
declarado demais a certos ditadores pode causar-lhe prejuízos
consideráveis. Foi assim que Pequim, após ter sido o mais confiável dos
aliados de Cartum ou de Harare, tenta atualmente frear o ímpeto
guerreiro do Sudão no Darfur, enquanto a sua ajuda a Robert Mugabe, o
ditador zimbabuense, foi sensivelmente reduzida.

*E a África, como fica?*
Falemos agora da África. As potências coloniais a saquearam até 1960,
quando buscaram perenizar seus interesses no continente apoiando os seus
regimes mais brutais. A ajuda internacional, que é estimada em US$ 400
bilhões (cerca de R$ 660 bilhões) para todo o período que vai de 1960 a
2000 (US$ 400 bilhões não só equivalem ao PIB da Turquia em 2007, como
também à totalidade dos fundos que a elite africana teria escondido nos
bancos ocidentais), não produziu os efeitos esperados, e, segundo uma
teoria em voga, teria até mesmo piorado as coisas. Isso não impediu a
África de sobreviver por conta do sentimento de culpabilidade dos
ocidentais, os quais acabaram ficando desanimados com ela. Ao provocar o
fracasso de todos os programas de desenvolvimento, ao manter-se como a
vítima eterna das trevas, das ditaduras, dos genocídios, das guerras,
das epidemias e dos avanços dos desertos, ela se mostra incapaz de
participar um dia do banquete da globalização.

"Desde a independência, a África trabalha em promover seu retorno à
situação de continente colonizado. Ao menos, se este fosse o objetivo,
ela agiria exatamente desta maneira", escreve Stephen Smith em
"Negrologia". E este jornalista americano acrescenta, com a terrível
reflexão seguinte: "Contudo, mesmo seguindo esta meta, o continente está
fracassando. Ninguém mais quer adquirir qualquer coisa nele".

Errado: a China é compradora. Para alimentar o seu crescimento
desmedido, a República Popular tem uma necessidade vital em
matérias-primas, as quais o continente tem para dar e vender: petróleo,
minérios, além de madeira, peixe e produtos agrícolas. Nem a ausência de
democracia, nem a corrupção constituem obstáculos para ela. Os seus
"soldados de infantaria" estão acostumados a dormir numa esteira, a não
comer carne todos os dias.

Eles encontram oportunidades lá onde outros nada enxergam a não ser
desconforto ou desperdício. Eles perseveram lá onde os ocidentais há
muito desistiram e partiram em busca de um lucro mais certo. A China
enxerga mais adiante. Os seus objetivos vão muito além dos antigos
domínios reservados coloniais e desenvolvem uma visão continental a
longo prazo. Alguns consideram que tal atitude não passa de uma
estratégia, aprendida de Sun Tsu: "Para bater teu inimigo, é preciso em
primeiro lugar apoiá-lo, de modo que ele abrande a sua vigilância; para
tomar, primeiro é preciso dar".

Outros acreditam sinceramente nas parcerias nas quais as duas partes
saem lucrando, o que vem a ser um slogan recorrente da propaganda de
Pequim. De fato, a China faz muito mais do que simplesmente se apoderar
das matérias-primas africanas. Ela também escoa os seus produtos simples
e baratos e conserta as estradas, as ferrovias, os edifícios oficiais.
Está faltando energia? Ela constrói barragens no Congo, no Sudão, na
Etiópia, e se prepara para ajudar o Egito a retomar o seu programa
nuclear civil. O país carece de telefones? Ela está equipando a África
inteira com redes de telefonia sem fio e de fibras óticas. As populações
locais se mostram reticentes? Ela abre um hospital, um dispensário ou um
orfanato. O branco era condescendente e fanfarrão? O chinês permanece
humilde e discreto. Os africanos estão impressionados. Vários milhares
deles já falam em chinês ou estão aprendendo a língua atualmente. Muitos
outros admiram a sua perseverança, sua coragem e sua eficiência. E a
África inteira comemora a chegada desta concorrência que está quebrando
os monopólios dos comerciantes ocidentais, libaneses e indianos.

Portanto, a presença da China na África é muito mais do que uma parábola
da globalização, é o seu grande remate, uma profunda modificação dos
equilíbrios internacionais, um terremoto geopolítico. Estaria ela se
instalando na África em detrimento definitivo do Ocidente? Será ela a
luz providencial para o continente em trevas? Será que ela o ajudará a
assumir finalmente o seu destino? Para responder a essas perguntas, nós
sabíamos disso, alguns artigos não seriam suficientes. Era preciso
explorar o terreno, viajar pela África afora, ir ao encontro dos
chineses e dos africanos, e buscar compreender as motivações de todos
eles; era preciso escrever este livro.

*Tradução:* Jean-Yves de Neufville
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O melhor comentário a esta matéria é esta a seguir,,,,, Em 2 palavras: COMPLEMENTADORA e ESCLARECEDORA (esta classificação é nova), sem ser preconceituosa.
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20/06/2008
Principal potência que se beneficia da globalização está na Ásia
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2008/06/20/ult580u3150.jhtm

Caroline Fourest*

Nós adotamos o hábito de denunciar a globalização como uma forma de ocidentalização. Os adversários do universalismo vão mais longe, assimilando a ocidentalização a uma espécie de colonização cultural. Essa retórica permite principalmente que os regimes autoritários associem ao Ocidente valores como os direitos humanos, a democracia ou a laicidade, para melhor recusá-los em nome do antiimperialismo. Essa estratégia discursiva poderia causar ilusão enquanto a maior potência econômica era americana. O que será amanhã, quando finalmente percebermos que a principal potência que se beneficia da globalização não vem do Ocidente, mas do Extremo Oriente?

Vários conflitos, notadamente os que dilaceram a África, não são mais ditados pelos interesses econômicos europeus ou americanos, mas chineses. A sinistra "Françáfrica" está sendo amplamente destronada pela "Chináfrica", do nome de um livro de Serge Michel e Michel Beuret que descreve bem essa nova realidade (editora Grasset). O comércio bilateral entre as duas regiões quintuplicou entre 2000 e 2006. Estima-se em 500 mil o número de chineses que vivem na África para construir estradas, hotéis e barragens. É o que já se chama de "aspecto positivo" da presença chinesa na África. O aspecto negativo é esse apetite devorador de energia e de matérias-primas, que a levou a fazer negócios com ditadores em detrimento das populações, da democracia, do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável.

Oficialmente, é claro, não se trata de dominação. A China insiste ao contrário em aparecer como uma potência do sul, e lembra sua presença ao lado dos não-alinhados na conferência de Bandung. Durante as cúpulas sino-africanas ela reivindica uma "parceria estratégica de um novo tipo", caracterizado pela "igualdade e a confiança recíproca no plano político" e na "cooperação em que todos saem ganhando no plano econômico". Dito de outro modo, ela defende sem complexos um negocismo diferencialista do tipo "nossos lucros valem mais que os direitos humanos".

Sem essa política cínica, haveria menos mortos em Darfur, mais democracia na Birmânia e talvez um novo governo no Zimbábue. Bizarramente, além de países que buscam tentam esquecer suas próprias vítimas, muitos poucos sonham em denunciar a falta de consciência dessa nova força econômica. Sobretudo não certos militantes que reivindicam uma consciência antiimperialista ambígua, feita de admiração pela "resistência" islâmica e uma certa complacência em relação à China.

Esses não militam realmente a favor de um eixo Norte-Sul mais justo, nem mesmo contra os efeitos da globalização ultraliberal. Eles desejam sobretudo uma vingança de identidade contra os EUA, a Europa e Israel (ou seja, contra os judeus). Desde que é oriental e não ocidental, a China pode portanto se permitir pilhar a África ou mesmo discriminar sua minoria muçulmana uigur sem correr o risco de ser chamada à ordem.

Esse posicionamento acrobático corre o risco de ser cada vez mais difícil de manter. Depois de um período de dominação principalmente discreto, empurrado pelas necessidades crescentes de energia e matérias-primas, a nova potência do Extremo Oriente poderia ser tentada a passar a uma marcha mais rápida. O sucesso de seus imigrantes já provoca hostilidade na Indonésia, onde o sentimento antichinês continua pronto a ressurgir. Na África algumas populações resmungam contra esses chineses que se vêem em toda parte e que roubam seu trabalho... Com o tempo esse ressentimento talvez acabe fazendo esquecer velhos rancores, como o que existia entre a Europa e suas antigas colônias.

No entanto, enquanto o islamismo ocupa o teatro de nossas preocupações imediatas, a oposição Ocidente/Oriente funciona como uma cortina de fumaça. Nos bastidores a China tem interesse nisso. Em um plano econômico, o azedume dos países muçulmanos em relação ao Ocidente lhe permite conseguir contratos por preços que não poderia negociar sem esse contexto exacerbado. Em um plano mais simbólico, o enfoque no Ocidente lhe permite ter todas as vantagens da potência econômica sem os inconvenientes.

Essa situação idílica não poderia durar. A China percebe que sua nova situação supõe deveres para com a comunidade internacional. Sua mediação em Darfur, suas hesitações a respeito das armas pedidas por Mugabe e o início da transparência durante o terremoto em Sichuan são sinais animadores. Em algumas gerações, como todas as primeiras potências, ela terá secretado seus próprios contrapoderes.

Enquanto isso, a nova ordem mundial à sombra da China promete horas de instabilidade em detrimento dos direitos humanos. Quem terá meios para contestá-la? Não a França de Nicolas Sarkozy, tão sensível aos interesses do mundo dos negócios. Durante seu discurso sobre a política de civilização ele sugeriu uma diplomacia que prefira "a diversidade à democracia". Uma expressão que corresponde palavra por palavra ao credo utilizado pelos dirigentes chineses para reivindicar um mundo sob o signo do diferencialismo e do negocismo, e não sob o signo do universalismo e dos direitos humanos.

*Caroline Fourest é ensaísta e professora na Science Po.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves