quinta-feira, 19 de junho de 2008

A história da 'Chináfrica' ou a aventura dos chineses no continente negro

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2008/05/20/ult580u3091.jhtm

20/05/2008
A história da 'Chináfrica' ou a aventura dos chineses no continente negro

Por Serge Michel e Michel Beuret
Especial para o Le Monde

O último ato da globalização está se desenrolando longe dos olhares dos
ocidentais. Os seus atores são milhares de migrantes chineses que vêm se
instalando por toda parte na África com o objetivo de construir,
produzir e comerciar. Serge Michel e Michel Beuret, acompanhados do
fotógrafo Paolo Woods, foram ao seu encontro.

A seguir, o "Le Monde" publica trechos do prólogo do seu livro que está
sendo lançado nesta terça-feira (20), intitulado "La Chinafrique, Pékin
à la conquête du continent noir" (A "Chináfrica", Pequim e a conquista
do continente negro, Editora Grasset & Fasquelle, 2008), ilustrado por
fotos de Paolo Woods.

"Ni hao, ni hao". Nós caminhávamos havia dez minutos por esta rua de
Brazzaville quando uma alegre turminha de crianças congolesas parou de
correr atrás de uma bola para nos cumprimentar. Os brancos, na África,
estão acostumados a ouvir saudações do tipo: "Hello mista!", "salut
toubab!", ou ainda, "Monsieur Monsieur!". Mas esses moleques, alinhados
e sorridentes à beira da calçada, enriqueceram o repertório. Eles
gritaram: "Ni hao, ni hao", ou seja, bom dia em chinês, antes de
prosseguirem o seu jogo. Para eles, todos os estrangeiros são chineses.

Algumas centenas de metros mais adiante, operários de uma companhia
chinesa estavam trabalhando na construção da nova sede da televisão
nacional congolesa, um edifício de vidro e de metal que parecia ter
caído do céu neste bairro popular. Além disso, na entrada da rua, esta
mesma companhia também construia uma mansão suntuosa destinada a um
membro do governo, sem dúvida numa forma de agradecimento pela
atribuição da obra da televisão. Na cidade, outras empresas chinesas
estavam dando os últimos retoques no novo ministério das relações
exteriores e da francofonia, e ainda tapavam os buracos de obus nos
prédios atingidos pela guerra civil.

*Histórias de uma nova África*

A 2.250 quilômetros a noroeste dali, na periferia de Lagos, na Nigéria,
a usina da Newbisco estava vivendo uma maldição. Fundada por um
britânico antes da independência de 1960, esta unidade de produção de
biscoitos água e sal conheceu muitos proprietários diferentes, uma vez
que nenhum deles se mostrou capaz de mantê-la lucrativa num país onde as
exportações petroleiras e a corrupção sufocam qualquer outra atividade
econômica. Em 2000, o seu penúltimo patrão, um indiano, revendeu a
Newbisco, já num estado bastante deteriorado, para o homem de negócios
chinês Y. T. Chu. Quando nós entramos na usina, numa manhã de abril de
2007, um cheiro de farinha e de açúcar flutuava no ar. As esteiras
rolantes carregavam a cada hora mais de três toneladas de pequenos
biscoitos que eram imediatamente embalados por dezenas de operárias.
"Nós cobrimos apenas 1% das necessidades do mercado nigeriano", disse Y.
T. Chu com um sorriso.

Os repórteres retornam quase sempre da África com histórias dramáticas
de crianças esfomeadas, de conflitos étnicos e de ondas de violência
incompreensíveis. É claro, nós fomos testemunhas do tudo isso no
decorrer das nossas reportagens na África ao longo dos últimos anos,
mas, desta vez, no momento de começar a redação deste livro, são as
imagens de uma África nova que predominam em nossa mente: as crianças de
Brazzaville que cumprimentam em chinês, a usina de biscoitos de Lagos,
ou ainda a auto-estrada que foi construída no Sudão, e que nós
utilizamos no verão de 2007.

Nós estávamos viajando de carro havia duas horas entre Cartum e
Port-Soudan quando um trecho do livro de Robert Fisk voltou a assombrar
a nossa mente. Em 1993, foi numa aldeia situada à esquerda desta estrada
que o repórter britânico marcara um encontro com Osama Bin Laden, que
havia se refugiado no Sudão após ter conclamado os muçulmanos à guerra
santa contra os americanos na Arábia Saudita. Para agradecer aos seus
anfitriões sudaneses, ele explicou para Fisk que iria construir uma nova
estrada de 800 quilômetros entre a capital e o grande porto. Em 1996, o
terrorista foi obrigado a fugir novamente, desta vez para o Afeganistão,
onde ele desenvolveu outros projetos, que não diziam respeito à
engenharia civil. Quem se habilitaria a concluir a sua obra? Os
chineses. Eles prevêem até mesmo construir uma ferrovia ao lado da
auto-estrada. As companhias chinesas, que chegaram maciçamente ao país a
partir de meados dos anos 1990, nele já investiram US$ 15 bilhões (cerca
de R$ 25 bilhões), em particular na exploração de poços de petróleo que
fornecem atualmente à China cerca de 10% das suas importações.

Durante mais de um ano, nós percorremos milhares de quilômetros e
visitamos quinze países com o objetivo de contar o que a China está
fazendo na África. Esta idéia já caminhava em nossa mente havia certo
tempo, mas ela acabou vingando por ocasião de um encontro improvisado
com Lansana Conté, o presidente da Guiné, no final de outubro de 2006.
Havia uma dezena de anos que ele não dava entrevista para a imprensa
estrangeira. Por que aceitar nos receber, naquele dia, em sua aldeia
natal, situada a três horas de viagem da capital, Conacri? Talvez porque
precisasse provar que ele ainda estava vivo, num momento em que corriam
boatos de que estava agonizando e que o país estava se deixando dominar
pelo caos.

*"Ao menos, eles trabalham"*
De fato, a discussão foi bastante sombria, apesar do cenário encantador
da imensa mansão do presidente Conté, com vista sobre o seu lago
privado. Ele chamou a maior parte dos seus ministros de "ladrões" e
fustigou os brancos, "que nunca pararam de se comportar como
colonizadores". Cantou as glórias de uma Guiné agrícola e pareceu
arrasado com a descoberta em alto-mar de jazidas petrolíferas que, em
sua opinião, farão da Guiné um país ainda mais corrupto.

Uma única vez, o rosto do presidente ficou iluminado: foi quando a
discussão abordou o assunto dos chineses. "Os chineses são
incomparáveis!", exclamou o general idoso. Ao menos, eles trabalham!
Eles não têm medo de pisar na lama junto com a nossa gente. Alguns deles
são cultivadores, como eu. Eu lhes entreguei uma terra cansada; vocês
deveriam ver o que eles fizeram com ela!"

A presença de chineses na África não é mais uma surpresa. Ao longo dos
últimos quatro ou cinco anos, nós os vimos progredirem por todos os
lados no decorrer das nossas reportagens, em Angola, no Senegal, na
Costa do Marfim ou em Serra Leoa. Mas o fenômeno passou para uma outra
escala. As coisas estão ocorrendo em alta velocidade, como se de repente
eles tivessem multiplicado seus esforços a ponto de penetrarem no
imaginário de um continente inteiro, desde o velho presidente guineense,
que há muito não viaja mais, a não ser para se fazer tratar na Suíça,
até os moleques congoleses, novos demais para diferenciarem um europeu
de um asiático.

No espaço de poucos anos, a questão da presença da China na África,
passou de um assunto complexo reservado a especialistas em geopolítica,
para um tema central nas relações internacionais e na vida cotidiana do
continente. E contudo, pesquisadores e jornalistas continuam trabalhando
com os mesmos números macroeconômicos: o comércio bilateral entre as
duas regiões foi multiplicado por 50 entre 1980 e 2005. Ele quintuplicou
entre 2000 e 2006, passando de US$ 10 bilhões para US$ 55 bilhões (de R$
16,5 bilhões para R$ 90,5 bilhões), e deverá alcançar US$ 100 bilhões
-cerca de R$ 165 bilhões- em 2010. Cerca de 900 companhias chinesas já
teriam se instalado em solo africano. Em 2007, a China teria tomado o
lugar da França como o segundo maior parceiro comercial da África.

Só que estes são números oficiais, que não levam em conta os
investimentos de todos os migrantes. Aliás, quantos são eles? Um
seminário universitário que foi realizado no final de 2006 na África do
Sul, onde a comunidade chinesa é a mais numerosa, arrisca o número de
750.000 para todo o continente. Os jornais africanos, por sua vez, não
raro se deixam levar pela euforia e chegam a se referir a "milhões" de
chineses. Do lado chinês, a estimativa mais elevada é apresentada pelo
vice-presidente da Associação da Amizade entre os Povos da China e da
África, Huang Zequan, que percorreu 33 dos 53 países africanos. Numa
entrevista que ele concedeu ao "Jornal do Comércio" chinês, em 2007, ele
avalia que 500.000 dos seus compatriotas vivem hoje na África (contra
250.000 libaneses e menos de 110.000 franceses).

Como se não passassem de integrantes de um exército de formigas, esses
migrantes não têm nome, nem mesmo um rosto, e permanecem mudos. Na
maioria dos casos, os jornalistas se queixam de que eles se recusam a
falar. E o tom dos artigos para descrevê-los se mostra inquieto, e até
mesmo alarmista, como se a chegada de uma nova potência não passasse de
mais uma calamidade para o continente negro, cujos sofrimentos já são
infindáveis.

Parece preferível enxergar as coisas de outra maneira. A entrada da
China na cena africana poderia muito bem representar, para Pequim, o seu
coroamento como superpotência mundial, uma nação capaz de fazer milagres
tanto em sua própria casa quanto nas mais ingratas das terras do
planeta. Além disso, para a África, este encontro talvez seja a
concretização da recuperação tão esperada desde o processo de
descolonização, nos anos 1960. Quem sabe, a hora do continente esteja
finalmente chegando -não só a hora da realização da derradeira esperança
do presidente guineense, como também dos 900 milhões de africanos-,
sinal de que mais nada será como antes. Neste contexto, vale conhecer
melhor os protagonistas deste enredo.

*Aventura chinesa na África*
Os chineses, primeiro. A história, tal como é contada no Ocidente, reza
que eles vivem há milênios uma aventura trágica, essencialmente coletiva
e confinada no interior das suas imensas fronteiras. Um dia de dezembro
de 1978, no momento em que o Império do Meio estava apenas se
recuperando dos tormentos da revolução cultural, Deng Xiaoping acenou
para os seus compatriotas com um slogan revolucionário: "Enriqueçam".
Vinte anos mais tarde, este se tornou o credo de 1 bilhão e 300 milhões
de chineses e, ao menos para uma parte dentre eles, isto já é uma
realidade. Para os outros, sobretudo os rurais, a vida tornou-se
impossível. Desde tempos imemoriais, na China, esta categoria da
população busca deixar a sua terra por um mundo melhor. A diáspora
chinesa, dizem, é a mais numerosa no mundo, com 100 milhões de pessoas,
além de ser a mais rica.

Até o ano de 2000, Pequim ainda tentava frear este movimento, de modo a
evitar que a imagem do regime saísse manchada. Atualmente, o incentiva,
em particular no que diz respeito aos bravos que querem tentar a sua
chance na África. Aos olhos dos dirigentes chineses, e singularmente na
concepção do presidente -que ganhou até mesmo o apelido de Hu Jintao, o
Africano-, a emigração acabou se tornando uma parte da solução ao
problema que consiste em reduzir a pressão demográfica, o
superaquecimento econômico e a poluição.

"Nós temos 600 rios na China, dos quais 400 morreram por causa de
poluição", afirmou um cientista em entrevista ao "Le Figaro", pedindo
para que o seu nome não fosse citado. "Nós não conseguiremos superar
este problema sem enviar ao menos 300 milhões de pessoas para a África!"

Até o momento, centenas de milhares deles já deram o grande salto.

É assim que termina, em meio ao mais completo silêncio, uma das últimas
etapas da globalização, com o encontro das duas culturas mais distantes
entre si que a terra já tenha visto. Na África, que é o seu novo
"faroeste", os chineses estão descobrindo às apalpadelas os grandes
espaços e o exotismo, a rejeição, o racismo e a aventura individual -e
até mesmo espiritual. Eles compreendem que o mundo é mais complicado do
que as descrições que dele faz o jornal "O Cotidiano do Povo". Esses
migrantes se encontram ora na posição de predadores, ora na de heróis da
sua própria história, ora conquistadores, ora samaritanos. É claro, eles
tendem a ficar entre eles, a se alimentar da mesma forma que em seu
país, não fazem esforços para aprender as línguas autóctones, nem mesmo
o francês ou o inglês; e, em muitos casos, eles não escondem a sua
reticência, com um careta de nojo, diante da idéia de abraçarem os
costumes locais, isso para não mencionar um eventual matrimônio com uma
mulher africana.

De tanto terem permanecido enclausurados atrás das suas grandes muralhas
ao longo de milênios, os chineses teriam perdido a vontade de se adaptar
às outras civilizações ou de coabitar com elas. Mas nenhum deles
retornará incólume da África. As suas viagens, e descobertas, abalam
daqui para frente a inércia da China, da mesma forma que pode ter lhe
proporcionado durante os anos 1980, a sua conversão ao capitalismo.
Esses chineses farão nascerem novas idéias, novas ambições.

Aliás, o seu governo, por sua vez, também passou por um processo de
mudanças desde que ele intensificou a sua presença na África. Muito
apegado ao seu lema de "não-ingerência" nos assuntos internos de outros
países, ele vai se dando conta progressivamente de que um apoio
declarado demais a certos ditadores pode causar-lhe prejuízos
consideráveis. Foi assim que Pequim, após ter sido o mais confiável dos
aliados de Cartum ou de Harare, tenta atualmente frear o ímpeto
guerreiro do Sudão no Darfur, enquanto a sua ajuda a Robert Mugabe, o
ditador zimbabuense, foi sensivelmente reduzida.

*E a África, como fica?*
Falemos agora da África. As potências coloniais a saquearam até 1960,
quando buscaram perenizar seus interesses no continente apoiando os seus
regimes mais brutais. A ajuda internacional, que é estimada em US$ 400
bilhões (cerca de R$ 660 bilhões) para todo o período que vai de 1960 a
2000 (US$ 400 bilhões não só equivalem ao PIB da Turquia em 2007, como
também à totalidade dos fundos que a elite africana teria escondido nos
bancos ocidentais), não produziu os efeitos esperados, e, segundo uma
teoria em voga, teria até mesmo piorado as coisas. Isso não impediu a
África de sobreviver por conta do sentimento de culpabilidade dos
ocidentais, os quais acabaram ficando desanimados com ela. Ao provocar o
fracasso de todos os programas de desenvolvimento, ao manter-se como a
vítima eterna das trevas, das ditaduras, dos genocídios, das guerras,
das epidemias e dos avanços dos desertos, ela se mostra incapaz de
participar um dia do banquete da globalização.

"Desde a independência, a África trabalha em promover seu retorno à
situação de continente colonizado. Ao menos, se este fosse o objetivo,
ela agiria exatamente desta maneira", escreve Stephen Smith em
"Negrologia". E este jornalista americano acrescenta, com a terrível
reflexão seguinte: "Contudo, mesmo seguindo esta meta, o continente está
fracassando. Ninguém mais quer adquirir qualquer coisa nele".

Errado: a China é compradora. Para alimentar o seu crescimento
desmedido, a República Popular tem uma necessidade vital em
matérias-primas, as quais o continente tem para dar e vender: petróleo,
minérios, além de madeira, peixe e produtos agrícolas. Nem a ausência de
democracia, nem a corrupção constituem obstáculos para ela. Os seus
"soldados de infantaria" estão acostumados a dormir numa esteira, a não
comer carne todos os dias.

Eles encontram oportunidades lá onde outros nada enxergam a não ser
desconforto ou desperdício. Eles perseveram lá onde os ocidentais há
muito desistiram e partiram em busca de um lucro mais certo. A China
enxerga mais adiante. Os seus objetivos vão muito além dos antigos
domínios reservados coloniais e desenvolvem uma visão continental a
longo prazo. Alguns consideram que tal atitude não passa de uma
estratégia, aprendida de Sun Tsu: "Para bater teu inimigo, é preciso em
primeiro lugar apoiá-lo, de modo que ele abrande a sua vigilância; para
tomar, primeiro é preciso dar".

Outros acreditam sinceramente nas parcerias nas quais as duas partes
saem lucrando, o que vem a ser um slogan recorrente da propaganda de
Pequim. De fato, a China faz muito mais do que simplesmente se apoderar
das matérias-primas africanas. Ela também escoa os seus produtos simples
e baratos e conserta as estradas, as ferrovias, os edifícios oficiais.
Está faltando energia? Ela constrói barragens no Congo, no Sudão, na
Etiópia, e se prepara para ajudar o Egito a retomar o seu programa
nuclear civil. O país carece de telefones? Ela está equipando a África
inteira com redes de telefonia sem fio e de fibras óticas. As populações
locais se mostram reticentes? Ela abre um hospital, um dispensário ou um
orfanato. O branco era condescendente e fanfarrão? O chinês permanece
humilde e discreto. Os africanos estão impressionados. Vários milhares
deles já falam em chinês ou estão aprendendo a língua atualmente. Muitos
outros admiram a sua perseverança, sua coragem e sua eficiência. E a
África inteira comemora a chegada desta concorrência que está quebrando
os monopólios dos comerciantes ocidentais, libaneses e indianos.

Portanto, a presença da China na África é muito mais do que uma parábola
da globalização, é o seu grande remate, uma profunda modificação dos
equilíbrios internacionais, um terremoto geopolítico. Estaria ela se
instalando na África em detrimento definitivo do Ocidente? Será ela a
luz providencial para o continente em trevas? Será que ela o ajudará a
assumir finalmente o seu destino? Para responder a essas perguntas, nós
sabíamos disso, alguns artigos não seriam suficientes. Era preciso
explorar o terreno, viajar pela África afora, ir ao encontro dos
chineses e dos africanos, e buscar compreender as motivações de todos
eles; era preciso escrever este livro.

*Tradução:* Jean-Yves de Neufville
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O melhor comentário a esta matéria é esta a seguir,,,,, Em 2 palavras: COMPLEMENTADORA e ESCLARECEDORA (esta classificação é nova), sem ser preconceituosa.
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20/06/2008
Principal potência que se beneficia da globalização está na Ásia
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Caroline Fourest*

Nós adotamos o hábito de denunciar a globalização como uma forma de ocidentalização. Os adversários do universalismo vão mais longe, assimilando a ocidentalização a uma espécie de colonização cultural. Essa retórica permite principalmente que os regimes autoritários associem ao Ocidente valores como os direitos humanos, a democracia ou a laicidade, para melhor recusá-los em nome do antiimperialismo. Essa estratégia discursiva poderia causar ilusão enquanto a maior potência econômica era americana. O que será amanhã, quando finalmente percebermos que a principal potência que se beneficia da globalização não vem do Ocidente, mas do Extremo Oriente?

Vários conflitos, notadamente os que dilaceram a África, não são mais ditados pelos interesses econômicos europeus ou americanos, mas chineses. A sinistra "Françáfrica" está sendo amplamente destronada pela "Chináfrica", do nome de um livro de Serge Michel e Michel Beuret que descreve bem essa nova realidade (editora Grasset). O comércio bilateral entre as duas regiões quintuplicou entre 2000 e 2006. Estima-se em 500 mil o número de chineses que vivem na África para construir estradas, hotéis e barragens. É o que já se chama de "aspecto positivo" da presença chinesa na África. O aspecto negativo é esse apetite devorador de energia e de matérias-primas, que a levou a fazer negócios com ditadores em detrimento das populações, da democracia, do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável.

Oficialmente, é claro, não se trata de dominação. A China insiste ao contrário em aparecer como uma potência do sul, e lembra sua presença ao lado dos não-alinhados na conferência de Bandung. Durante as cúpulas sino-africanas ela reivindica uma "parceria estratégica de um novo tipo", caracterizado pela "igualdade e a confiança recíproca no plano político" e na "cooperação em que todos saem ganhando no plano econômico". Dito de outro modo, ela defende sem complexos um negocismo diferencialista do tipo "nossos lucros valem mais que os direitos humanos".

Sem essa política cínica, haveria menos mortos em Darfur, mais democracia na Birmânia e talvez um novo governo no Zimbábue. Bizarramente, além de países que buscam tentam esquecer suas próprias vítimas, muitos poucos sonham em denunciar a falta de consciência dessa nova força econômica. Sobretudo não certos militantes que reivindicam uma consciência antiimperialista ambígua, feita de admiração pela "resistência" islâmica e uma certa complacência em relação à China.

Esses não militam realmente a favor de um eixo Norte-Sul mais justo, nem mesmo contra os efeitos da globalização ultraliberal. Eles desejam sobretudo uma vingança de identidade contra os EUA, a Europa e Israel (ou seja, contra os judeus). Desde que é oriental e não ocidental, a China pode portanto se permitir pilhar a África ou mesmo discriminar sua minoria muçulmana uigur sem correr o risco de ser chamada à ordem.

Esse posicionamento acrobático corre o risco de ser cada vez mais difícil de manter. Depois de um período de dominação principalmente discreto, empurrado pelas necessidades crescentes de energia e matérias-primas, a nova potência do Extremo Oriente poderia ser tentada a passar a uma marcha mais rápida. O sucesso de seus imigrantes já provoca hostilidade na Indonésia, onde o sentimento antichinês continua pronto a ressurgir. Na África algumas populações resmungam contra esses chineses que se vêem em toda parte e que roubam seu trabalho... Com o tempo esse ressentimento talvez acabe fazendo esquecer velhos rancores, como o que existia entre a Europa e suas antigas colônias.

No entanto, enquanto o islamismo ocupa o teatro de nossas preocupações imediatas, a oposição Ocidente/Oriente funciona como uma cortina de fumaça. Nos bastidores a China tem interesse nisso. Em um plano econômico, o azedume dos países muçulmanos em relação ao Ocidente lhe permite conseguir contratos por preços que não poderia negociar sem esse contexto exacerbado. Em um plano mais simbólico, o enfoque no Ocidente lhe permite ter todas as vantagens da potência econômica sem os inconvenientes.

Essa situação idílica não poderia durar. A China percebe que sua nova situação supõe deveres para com a comunidade internacional. Sua mediação em Darfur, suas hesitações a respeito das armas pedidas por Mugabe e o início da transparência durante o terremoto em Sichuan são sinais animadores. Em algumas gerações, como todas as primeiras potências, ela terá secretado seus próprios contrapoderes.

Enquanto isso, a nova ordem mundial à sombra da China promete horas de instabilidade em detrimento dos direitos humanos. Quem terá meios para contestá-la? Não a França de Nicolas Sarkozy, tão sensível aos interesses do mundo dos negócios. Durante seu discurso sobre a política de civilização ele sugeriu uma diplomacia que prefira "a diversidade à democracia". Uma expressão que corresponde palavra por palavra ao credo utilizado pelos dirigentes chineses para reivindicar um mundo sob o signo do diferencialismo e do negocismo, e não sob o signo do universalismo e dos direitos humanos.

*Caroline Fourest é ensaísta e professora na Science Po.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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